Belarus, a última ditadura da Europa

Belarus, a última ditadura da Europa

Reportagem por Cecília Araújo em 19 de Outubro de 2022


Publicado por Rafael Leivas

Na imagem há belarrussos em uma manifestação, aonde um jovem loiro segura um cartaz dizendo que Lukashenko continua sendo um ditador.
Belarus, a última ditadura da Europa. (Reprodução da imagem: Socialist Project )

   O Prêmio Nobel da Paz 2022 , anunciado no início do mês de outubro, indicou a organização russa de direitos humanos, Memorial, a organização ucraniana de direitos humanos, Centro para Liberdades Civis e o ativista da Bielorússia, Ales Bialiatski como vencedores. O ocorrido chamou a atenção às questões humanitárias e sociais em Belarus devido à prisão em condições desumanas frente à defesa da democracia e oposição ao governo vigente do bielorruso designado pelo comitê sueco. Não é a primeira vez que a comunidade internacional se interessa pelo ex-integrante da União Soviética (URSS), conhecida como a última ditadura da Europa. O país é conhecido pelos inúmeros escândalos envolvendo os direitos humanos ameaçados pelo KGB, a democracia de fachada que aceita eleições fraudulentas,  e o presidente polêmico, que indicou vodka e idas à sauna como prevenção ao vírus da covid-19. Além disso, a estreita ligação histórica e econômica com a Rússia cria tensões no contexto atual de guerra entre o Kremlin e a Ucrânia. Imersa em uma desordem social, a nação bielorrussa se encontra em uma situação caótica como nunca antes vista.

Opressão, tortura e perseguição 

  

 Apesar de se autodeclarar como uma república presidencialista, a Bielorússia apresenta características bem mais próximas de um governo ditatorial. A influência do passado soviético é clara na forma como o presidente Aleksandr Lukashenko administra o país. A censura, o controle dos canais de comunicação e a perseguição violenta de opositores políticos são elementos que fazem parte do dia a dia da população de Belarus. A presença do Comitê de Segurança do Estado (KGB), um resquício da URSS que funciona até hoje como agência de informação e dos serviços secretos, é muito forte e pode ser percebida em quase todas as polêmicas que envolvem a nação, sendo alvo das mais duras críticas por parte dos países ocidentais. Em 2021, as forças aéreas nacionais forçaram o pouso de um avião da Ryanair que sobrevoava o espaço aéreo do país com destino à Lituânia no aeroporto da capital, Minsk, sob o pretexto da existência de uma bomba na aeronave, informação essa provada como falsa posteriormente. A manobra tinha como objetivo prender o bielorusso foragido, Roman Protosevich, passageiro deste voo e opositor ao governo de Lukashenko. O KGB o acusava por incitar a desordem pública ao divulgar textos de oposição em redes sociais e promover protestos e manifestações. Alguns dias após o ocorrido, o jornalista apareceu muito choroso e nervoso, com feridas de algemas nos pulsos, em uma entrevista transmitida pela televisão pública na qual ele confessa ter cometido todas as acusações feitas pelo Estado e pede perdão. Sua família, a oposição, e diversos líderes mundiais acusam o governo e o  serviços secretos de tortura, descrevendo a gravação como “depoiamento de um réfem”. 

     A violência que permeia Belarus é percebida também nas manifestações após as eleições de 2020, em que cerca de 6,7 milhões de pessoas foram detidas e muitas denúncias de abuso de poder policial e tortura surgiram. Relatores de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) reafirmam a importância da preservação da liberdade como fundamento para uma sociedade saudável, após receberem 450 casos documentados de violência, estupros e abusos decorrentes desse episódio.  

Eleições, fraude e feminismo

 No poder pelas eleições desde 1994, Lukashenko é alvo de acusações de fraude eleitoral por inúmeros órgãos internacionais e pela própria população bielorrussa. Em 2020, após o anúncio de sua suposta sexta vitória consecutiva nas urnas, as ruas das cidades de Belarus foram inundadas por manifestantes questionando e protestando a veracidade dos resultados. Foi nesse contexto que surgiu um dos maiores símbolos da resistência em Belarus: as passeatas femininas. Elas ocorrem desde então e começaram como um movimento em protesto ao processo eleitoral corrupto e à derrota da candidata e grande oponente do atual presidente, Sviatlana Tsikhanuskaya. Ela entrou no mundo político após ter se candidatado no lugar de seu marido, Siarhei Tsikhanuskaya, um importante ativista a quem o governo embargou a candidatura. Porém, ela virou de fato o rosto da oposição bielorrussa frente às atitudes machistas de Lukashenko, que não a levou a sério como candidata afirmando publicamente que “uma mulher não pode ser presidente” e questionando sua capacidade para tal cargo devido à sua vida de mãe e dona de casa. Decidida a contra-atacar a misoginia institucionalizada, a bielorrussa encontrou voz, força e ressonância junto a milhares de mulheres em Belarus e no exterior, criando uma corrente de empatia e luta pela força do chamado “sexo fraco”. Essa luta é de suma importância e é um marco histórico para esse país, que é profundamente patriarcal e no qual a segurança da mulher não é assegurada, como comprova a não existência de leis específicas contra a violência à mulher. As mobilizações constantes a favor da democracia plantam as bases de uma incipiente onda feminista e um ambiente propício para conquistas no terreno da igualdade de genêro e da liberdade.

Guerra na Ucrânia   

  

O presidente Aleksandr Lukashenko anunciou nesta segunda-feira (10/10/22) que ordenou a mobilização de tropas junto às forças russas na fronteira com a Ucrânia em resposta a uma “clara ameaça” a Belarus vinda de Kiev e seus apoiadores ocidentais. Essa decisão indica uma potencial escalada na guerra no leste europeu. O apoio praticamente imediato da Bielorússia advém de um passado e de relações econômicas compartilhados com a Rússia: os países desenvolveram um elo de dependência entre si. Da parte do Kremlin, o país funciona como um dos últimos “tampões” ao avanço americano através da Organização do Tratado do Atlântico do Norte (OTAN) e dos interesses ocidentais representados pela União Europeia (UE), já que perdeu o apoio da maioria dos ex-integrantes do bloco soviético. Por parte de Belarus, é uma forma de garantir sua segurança existencial frente a uma condição geográfica que não lhe dá acesso ao mar e uma posição de fronteira entre a Europa e a Rússia. Além disso, o país depende economicamente das matérias-primas russas e suas importações e exportações. Soma-se a isso um passado soviético em comum, com a figura russa de “A Grande Mãe” dos povos eslavos.  

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