Você nunca vai ser Bonita.
Artigo de opinião por Maria Clara Avelino Ferrarez em 26 de setembro de 2022
Publicado por Felipe Nunes Coelho
Em algum momento da vida, todos já se perguntaram o que é beleza. A beleza é extremamente subjetiva e existem muitos fatores que influenciam a nossa percepção sobre ela, como culturas, países e épocas. Na Ásia, por exemplo, as pessoas desejam ter uma pele clara, enquanto, no ocidente, as pessoas tendem a querer uma pele bronzeada e mais escura. No século XIX, dentes pretos eram considerados bonitos no Japão e, agora, todos querem sorrisos brancos. É importante entender que os padrões de beleza estão em constante mudança, sendo praticamente impossível se adequar a um padrão universal.
Havia uma época na qual ser muito magra era considerado feio e as mulheres eram encorajadas a ganharem peso. Contudo, o padrão de beleza atual é ter um rosto fino, um maxilar desenhado, um nariz fino, os lábios grandes, a pele perfeita e sem sinais de acne ou de envelhecimento, além de não ter estrias ou celulite, mas sim um corpo hourglass com uma barriga seca, porém com muito busto e quadril. Praticamente impossível.
Esse padrão de beleza “universal” começou há muito tempo, com um racismo internalizado e estrutural decorrente dos processos de colonização. Era um tempo de supremacia racial, que desumanizava as pessoas de cor. Foi ensinado que ‘a raça branca é superior’, ‘a raça branca é bonita’. Assim, com a globalização e a mídia, traços eurocêntricos e caucasianos começaram a dominar o mundo e pessoas pretas foram obrigadas a se submeterem a esses padrões.
É possível observar uma mesma raiz de preconceitos até em diferentes culturas. Por muito tempo, era dito às pessoas pretas que era necessário clarear a sua pele de algum modo, da mesma forma que era dito para meninas asiáticas que sua pele ficaria muito escura se elas fossem brincar no sol. Até mesmo em vivências extremamente distintas, o mesmo preconceito e a mesma aversão à pele preta estão presentes. Isso fez com que, por muito tempo, as pessoas optassem pelo clareamento da pele, evitando ao máximo a exposição ao sol.
Também se tornou muito mais comum a vontade de mudar nossos traços, como o nariz e o formato dos olhos, para que esses se assemelhem mais aos traços caucasianos. Porém, ironicamente, os padrões de beleza modernos tendem a mudar para os aspectos mais naturais da mulher preta. Portanto, passou-se a “gostar” da beleza preta, mas apenas se esta incluir um nariz fino, uma boca menor e um cabelo liso. Dessa forma, os brancos se apropriaram de diferentes formas de beleza e de cultura, como a de pessoas pretas.
Em um mundo patriarcal e misógino, mulheres são validadas com base na sua aparência, enquanto homens são aclamados pelo seu sucesso profissional e sua força. Nesse viés, mulheres foram ensinadas a servir os homens, sem nenhum direito de questionar. Com isso, a indústria de beleza e a mídia bombardeiam mulheres, desde jovens, com o padrão de beleza ocidental, no qual mulheres são objetificadas e sexualizadas desde cedo. A mídia tenta manipular as mulheres para se encaixarem no padrão, convencendo-nas de que precisam se depilar, usar maquiagem, vestir-se bem… tudo em prol do patriarcado, com a desculpa de que se trata de autocuidado.
Contudo, esse padrão da mídia representa somente uma minoria das pessoas, provocando um sentimento de vergonha nas mulheres que não fazem parte dessa minoria, as quais são atacadas por comentários como “você é muito gorda”, “você é muito isso ou aquilo”. A magreza é glorificada e desejada, mas, de repente, o que era desejado se torna “magro demais”, muito extremo. Isso pode levar mulheres a desenvolverem transtornos alimentares por tentar, de todas as formas, entrar nesse padrão, que é simplesmente irreal. Dessa maneira, a mídia se utiliza de diversos mecanismos, como dar visibilidade somente a pessoas que atendem ao padrão e não disponibilizar tamanhos grandes em marcas de roupas. Esse fator faz com que as pessoas se sintam mais deslocadas por não se encaixarem naquele padrão inalcançável.
As redes sociais também causam um impacto muito forte, principalmente quando celebridades dizem ter corpos naturais sendo que, na verdade, já passaram por diversos procedimentos estéticos, além de colocar muito photoshop em suas fotos. Isso faz com que as pessoas comecem a se comparar e a se cobrar para parecer com algo que literalmente não existe.
Entretanto, à medida que o padrão de beleza se torna mais acessível às pessoas, após uma enorme pressão da sociedade, esse padrão passa a ser insuficiente e muda novamente. O fator chamativo dos padrões de beleza hoje em dia é ser uma coisa inalcançável e para poucos, logo, assim que se torna mais palpável, ele muda drasticamente, criando um ciclo infinito de comparações e pressões estéticas.
Esse fenômeno pode ser observado, atualmente, com a influência que as socialites da família Kardashian exerceram na estética a partir de 2010. Elas surgiram com a proposta do corpo hourglass, com muito quadril, muito busto e uma cintura muito fina. Elas tiveram um impacto muito grande, o que resultou no grande aumento da procura de cirurgias plásticas para a obtenção de um corpo como o delas.
Desse modo, como elas praticamente ditaram a moda e o padrão estético da última década, ficam claras as extremas mudanças que elas têm exercido no “novo padrão”. As pessoas estão deixando de lado o corpo hourglass, maior e cheio de curvas, e optando por um corpo mais próximo às modelos da Victoria’s Secrets. Consiste em um corpo com um teor baixíssimo de gordura, tonificado e definido. Muitos dizem que estamos saindo da “era Kylie Jenner“, que tem o corpo nos padrões da última década, e entrando na “era Kendall Jenner”, que, atualmente, é a modelo mais bem paga do mundo.
Essa mudança chamou muito a atenção dos fãs em uma entrevista recente de Kim Kardashian, em que percebe-se que seu corpo está claramente mudando para se parecer mais com esse novo padrão. Isso só reforça a ideia de que ele só funciona para os que possuírem os recursos necessários, ou seja, os que podem mudar seu corpo quando bem entenderem, abrangendo uma parcela mínima da população. Portanto, o restante se tortura para tentar se adaptar aos padrões que a alta sociedade impõe, mantendo-se em uma posição de impotência e de comparação com uma realidade que, provavelmente, nunca irão alcançar. Dessa forma, a mídia e a sociedade, desde sua formação, manipulam o pensamento, principalmente de mulheres, com coisas simplesmente inalcançáveis e que, quando são alcançadas, já não são boas o suficiente.
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