Artigo de opinião por Helena Tavares Queiroz em 19 de novembro de 2022
Publicado por Felipe Nunes Coelho
BeReal é um aplicativo de mídia social francês lançado em 2020 que vem se popularizando devido à sua proposta de promover autenticidade e espontaneidade, fazendo com que seus usuários “vivam no momento”. Seu modo de funcionamento é, basicamente, enviar uma notificação todos os dias – em horários aleatórios – para seus usuários os lembrando de “serem reais”. Assim que a notificação é aberta, o app dispara um temporizador de 2 minutos: é esse o tempo que a pessoa tem para capturar o momento que está vivenciando, sem filtros e sem photoshop, através de duas fotos tiradas sequencialmente pela câmera frontal e pela câmera traseira de seu celular – o que é, provavelmente, o recurso responsável pela apreciação que o app tem, em primeiro lugar. Dessa forma, só é possível enviar um par de fotos – a da câmera frontal e a da câmera traseira – por dia.
Entretanto, para um aplicativo que clama retratar o aproveitamento do presente, o BeReal apresenta algumas contradições. É uma plataforma que promete fazer o usuário “viver no momento” tirando-o do momento. Ao receber a notificação do app, as pessoas emergem da realidade em que estavam inseridas e passam a pensar apenas em como registrá-la… é como chegar a uma pessoa que já está respirando involuntariamente e lembrá-la de que ela deve respirar. Além disso, é possível postar sua foto diária com atrasos, reajustar ângulos na hora de “ser real” e, até mesmo, refazer sua foto, caso ainda esteja dentro do prazo de 2 minutos – tudo isso para que se possa “vender” uma versão idealizada da sua vida.
Esse modelo de disposição midiática, contudo, é amplamente difundido devido à tendência contemporânea de obsessão com autenticidade. Desde a Revolução Industrial e a difusão do modo de produção fabril em massa, perdeu-se a singularidade do que era produzido e, consequentemente, perdeu-se a singularidade do consumidor. A partir daí, o uso do autêntico como refúgio desta realidade se tornou cada vez mais comum: o desejo de ser único e de divergir do mainstream é quase um mecanismo de defesa e de autoafirmação da tão almejada individualidade.
“O BeReal não vai nos salvar de nós mesmos” – Laura Pitcher
Dessa forma, o coletivo utente de redes como o Instagram vem substituindo a estética do ‘corpo perfeito’, da ‘beleza’ e da vida idealizada por uma outra estética: a do ‘real’, do ‘honesto’, do ‘relatable’ – sendo esta tão idealizada quanto aquela. Assim, ganha palco a cultura do oversharing, de fotos borradas, de selfies chorando e dos photodumps: tudo para aparentar uma aproximação da realidade. Ademais, nota-se que esse movimento não representa a rejeição do ideal de perfeição, mas sim uma canalização dele para outra estética. E o BeReal tem o papel crucial de reforçar essa pressão de ter uma vida interessante, gostável e relacionável e, sobretudo, de parecer tê-la sem esforços.
“A autenticidade online será sempre uma espécie de miragem. Essas plataformas simplesmente não conseguem conter o verdadeiro alcance de quem somos e o que possuímos, então essa tendência de tentar ser autêntico online é uma espécie de armadilha, que serve para nos manter ainda mais presos a essas plataformas – presos nas mesmas espirais de desempenho.” – Neema Githere
Portanto, fica claro o impacto negativo e tóxico que a idealização da espontaneidade tem no imaginário social e percebe-se que tudo isso deriva da inclinação que a geração de nativos digitais tem de tentar unir a realidade material à realidade virtual, quando sabe-se que ambas são, fundamentalmente, imiscíveis.
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