Preto e Branco: um amor colorido

Preto e Branco: um amor colorido

Conto por Gabriela Betini Oliveira do Nascimento em 14/07/2021


Publicado por Maria Rita Mamede


Capa para o texto: Preto e Branco: um amor colorido
“Miguel descobriu da pior maneira que não poderia mentir para sempre. Mas, será que ele consegue lidar com as consequências da verdade?”
Reprodução da imagem: ArtStation e So super awesome

– Eu aceito, mas não gosto disso. Sinto que fiz algo de errado.

– Então, você não gosta do papai? Pelo que eu saiba, ele é um homem e eu gosto de homens, assim como você! – respirei fundo, para não derramar nenhuma lágrima na frente dela, e concluí – E, sim, você cometeu um erro: não me apoiar no momento em que eu mais precisei. 

– Miguel, olha… – ela começou a falar, mas eu a interrompi.

– Eu sou gay, mãe! Faz parte de mim! Não é uma qualidade ou um defeito para você gostar ou deixar de gostar. Pois bem, no fim, fui eu que cometi o erro de acreditar que você me amava por completo.

Comecei a andar com passos largos e pesados em direção à saída. Queria gritar, chorar, correr, mas não tinha energia para nada disso. Quando saí, fechei a porta com força e a tranquei pelo lado de fora, antes mesmo de a minha mãe alcançar a maçaneta. Peguei meu carro e comecei a dirigir para lugar nenhum, apenas pensando: “Eu sou um filho ou uma pessoa ruim? Se sim, por quê? Eu trabalho, tenho notas ótimas, provavelmente vou ganhar uma bolsa de estudos para faculdade, não faço besteira, nem me meto em nenhuma encrenca. Parece, no mínimo, razoável. Então, por que sinto que acabei de matar umas 10 criancinhas em uma creche?”  

Por um instante, desejei nunca tê-lo conhecido e me odiei no momento seguinte. Eu não poderia querer não me relacionar com a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Sou orgulhoso e egoísta demais para, depois de conhecer as cores do mundo e sentir o gosto da vida, voltar a enxergar tudo em preto e branco. Na companhia dele, a vida continuava a não ter sentido, mas era uma vida sem sentido com ele. Tudo era melhor com ele: as piadas ficam mais engraçadas com a voz dele, a paisagem fica mais bonita refletida pelos óculos dele, os meus dedos ficam mais seguros firmados aos dele, os meus lábios ficam mais completos encostados nos dele, eu era melhor junto ao Henrique. 

Ao passo que ia pensando nele, fiquei com mais raiva de tudo e todos. Eu queria contar para o mundo o quanto eu o amava, fazer “posts” bregas no Instagram, andar de mãos dadas pela praça e beijá-lo no cinema. Entretanto, eu não podia, pois a cidade é pequena demais e o nosso amor imenso, ou melhor, a fofoca é grande demais, e o preconceito, maior ainda. Achei que, se contasse para minha mãe, ela me ajudaria com tudo isso ou, pelo menos, me apoiaria. Com os flashbacks da nossa discussão passando pela minha cabeça, percebi que estava errado o tempo todo. Firmei as minhas mãos no volante e aumentei a velocidade, queria que a adrenalina acobertasse minha raiva e minha mágoa. 

A rapidez do carro, todavia, não impediu que um mar de lágrimas enchesse meus olhos e escorresse pelas minhas bochechas até minha boca. Minha visão ficava cada vez mais borrada e minha boca mais salgada, mas eu não me importava. Não fazia questão de ver um mundo cheio de ódio. Acelerei mais. 

Havia duas vias: uma de ida e outra de volta. O senhor João, que passou a noite inteira bebendo em um bar, estava voltando para casa, percorrendo a estrada de ida, até que ele sentiu suas pálpebras ficarem pesadas e, quando fechou os olhos para piscar, acabou adormecendo. As mãos corpulentas e adormecidas do senhor João no volante fizeram com que o carro se inclinasse para a pista ao lado, a de volta, essa pela qual Miguel passava naquele mesmo instante com alta velocidade. Então, os dois carros se chocaram em um grande estrondo.

De repente, Miguel não sentia nada. E, em seus últimos suspiros, pensou no quanto Henrique gostava de andar de carro.



Dica: Escute “Fire on fire” do Sam Smith. Combina com o texto. 


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