Conto por Ana Belle Silva Ramos em 11 de maio de 2023
Publicado por Pedro henrique Garcia Eleutério
Olhou de relance seu relógio de pulso: mais duas horas de viagem. Ah! Como é desagradável ser apenas um saco de ossos, sem a capacidade de proceder acelerando aquele maldito trem precário. Precário de passageiros, de estrutura e de serviço. A sensação do assento duro contra seu traseiro era amenizada pelo volume das saias, as quais eram colírio para seus olhos em meio a tamanha decadência, como cascatas de seda no mais angélico tom de azul e tule branco bordado de diversas figuras. Nunca saberia dizer se condenava-se por vesti-las nessa ocasião ou se agradecia. Afinal, odiaria retirar as manchas de fuligem.
Evangeline apenas gostaria de estar em paz. Um pensamento impossível até o momento, principalmente com o som sorumbático de fungadas alheias. Uma mulher azarada, presumiu, assim como ela. A tal mulher se encontrava dois assentos à frente dela que além do mistério do motivo de seu sofrimento, havia o mistério de: desde quando havia mais alguém consigo? Havia andado por todos os vagões até achar um completamente vazio, em paz, sem bebês chorando ou idosos tossindo. Agora, podia incluir na sua lista mulheres choramingando.
E a desconhecida se levantou, deu a Evangeline uma visão de seus cabelos negros oleosos lhes percorrendo as costas, como fios de petróleo. Tinha cobrindo seu corpo apenas uma longuíssima camisola branca surrada, estilo vitoriano, cheias de manchas de grama e terra. Ela era muito, muito pálida, veias azuladas aparecendo sob a pele. Uma figura fantasmagórica, mas Eva já estava velha demais para acreditar no sobrenatural e suas esquisitices, portanto, prosseguiu se levantando para abordá-la. Seu ato de impulsividade não tinha sequer um motivo a não ser o de pura curiosidade.
E a desconhecida se virou de semblante tranquilo, a mão dela fora, devagar e pacientemente, até a bochecha esquerda de Evangeline e com um sorriso lunático proferiu o que seria a opinião de qualquer um de juízo, o maior exemplo do efeito borboleta. Um detalhe muda toda a realidade, molda suas paredes ou destroem seus tijolos de fantasia. Corte-se nela e suje o carpete de escarlate, pois a conclusão é feita para ser vivida.
“Quer dançar comigo?”
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