Crônica por Ingrid Marques em 17 de outubro de 2024
Publicado por Pedro Henrique Garcia Eleuterio
O vestido era rosa, com bordados de flores em um tom pastel, e ainda dispunha de um laço de cetim imenso nas costas. Todos teceram elogios ao vestuário, pois era indubitavelmente digno de uma princesa. No entanto, era totalmente desconfortável. Era quente, coçava e, na minha mentalidade de criança, não valia tal sofrimento para ir a um casamento. Assim, com o meu vocabulário rudimentar de infante, questionei a minha mãe por que não poderia ir com o meu simples e confortável pijama. Mamãe me explicou com delicadeza que, em festas como esta, as meninas precisam comparecer com trajes formais, mesmo que fossem um pouco desconfortáveis. O que as pessoas pensariam se vissem uma bela menina como eu em trajes tão desajeitados?
Apesar da minha resistência, coloquei o vestido e fomos à festa. Durante a cerimônia, percebi que havia outras crianças no recinto, mas elas não estavam usando vestidos tão exuberantes como eu, e sim ternos! Então, novamente questionei: “Mãe, por que aquela criança pode usar casaco e calça e eu não?”. Mamãe me explicou com paciência que era diferente; aqueles eram menininhos e eu sou uma menina. Oi? Essa declaração me deixou ainda mais confusa com toda a situação. O que me diferenciava dos meninos? Não éramos todos crianças?
Esse questionamento, com o decorrer dos anos, desapareceu da minha mente. Acredito que o fato de nós sermos obrigadas a corresponder, desde cedo, a algumas expectativas sociais nos faz aceitar certas circunstâncias sem nem hesitar. Os porquês que regem as nossas ações, roupas e pensamentos tornam-se triviais e, principalmente, imutáveis. Entretanto, é fundamental despertar dessa realidade habituada a preconceitos velados a fim de alterá-la, pois, a longo prazo, esses “deveres” limitam e nos aprisionam. Será que realmente escolhemos como agimos? Ou apenas somos influenciados?
Dito isso, eu possuo agora as respostas para os meus questionamentos infantis: nada nos diferencia. Roupas são tecidos costurados e não comprovantes de feminilidade ou masculinidade. Ao longo da vida, somos condicionados a obedecer a padrões que são uma clara violência contra a autenticidade e o poder de ser o que desejarmos. Desse modo, eu espero que o espírito curioso de criança sempre esteja vivo nos indivíduos e que, portanto, nos faça questionar os porquês de tudo.
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