Publicado por Ana Letícia
Comemorado no dia 1º de maio, juntamente com o dia do trabalho, o dia da literatura nacional foi criado em homenagem ao nascimento de um dos grandes nomes da literatura brasileira: José de Alencar, autor de títulos famosos como “Iracema” e “O Guarani”. Partindo de Machado de Assis a Guimarães Rosa, passando por Clarice Lispector, Castro Alves e Cecília Meireles, a literatura nacional, mesmo que relativamente jovem, apresenta uma qualidade, variedade e genialidade extraordinária, digna de grande admiração e orgulho.
Porém, a data de sua comemoração passa esquecida,sem muita visibilidade e reconhecimento. Infelizmente, a falta de valorização artística é uma realidade enfrentada no Brasil. Esse fenômeno é decorrente de uma sociedade capitalista, que materializa a cultura e valoriza o artista pelo número de vendas e não pela qualidade artística, transformando assim a arte em mercadoria. Ademais, um fraco currículo escolar com aulas que pouco dizem sobre a função social e o processo criativo e um país que, além de historicamente interpretar a produção artística como algo secundário, pouco investe nessas áreas, resulta em um setor com pouquíssimas oportunidades para os artistas brasileiros. Na literatura não é diferente. Segundo a pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, realizada em 2020, o país perdeu 4,6 milhões de leitores de 2015 a 2019. O alto custo de vida, que não permite o “luxo” de gastar o pouco dinheiro com livros, associado à ambientes familiares que não enxergam a leitura como parte do processo educativo e um sistema educacional básico que ainda forma analfabetos funcionais são algumas das causas deste contexto de desprestígio da leitura.
Antes de tudo, é necessário compreender o papel do livro na sociedade, uma vez que este pode agir como instrumento revolucionário, como foi o caso de “1984” e “Revolução dos bichos”, de George Orwell ,os quais por sua capacidade de mover massas contra os governos opressores do século XX, através de uma distopia estranhamente comparável a realidade, foram banidos e censurados de vários países. Como instrumento libertador, os livros trazem conhecimentos que retiram os indivíduos da ignorância e fazem com que estes vivam e governem melhor suas vidas, conforme cita o filósofo Francis Bacon, “Conhecimento é poder”. Também atuam no sentido da liberdade de expressão, uma vez que, colocam em papel e tinta opiniões de como algo ocorreu, fato que é visto, por exemplo, em muitas obras iluministas. E claro, como instrumento lúdico, capaz de extrair as pessoas da realidade em que vivem, emocioná-las e marcá-las através da arte e da beleza encontradas na linguagem e no enredo de uma história. Além dos livros, a própria prática da leitura é essencial para o desenvolvimento de raciocínio lógico, senso crítico e construção de opiniões e valores.
Em paralelo, a crise econômica acirrada pela pandemia da covid- 19, entre outros fatores, culminaram em um Brasil com um altíssimo custo de vida. Decorrente de um antigo problema estrutural e histórico, a desigualdade social, intensificada pelo cenário atual, continua sendo um dos maiores problemas do país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% da população recebe menos de R$3500 por mês enquanto a elite pode ganhar até 36 vezes esse valor. Nesta conjuntura, a leitura é privilégio de uma restrita classe. O custo dos livros, podendo variar de R$40 a R$100, torna praticamente inviável o acesso à leitura para a maioria dos brasileiros, que precisam se preocupar com questões mais “vitais”, como a compra do mês ou a conta de luz. Essa situação dificulta a propagação do hábito da leitura na cultura e no cotidiano das pessoas, transformando o conhecimento que os livros podem trazer em um elemento delimitador de classes, quando o papel deste último deveria ser justamente de igualar, e não separar.
O analfabetismo funcional é uma outra realidade que o Brasil enfrenta. Essa condição se refere a pessoas que têm a capacidade de reconhecer letras e números, mas não conseguem interpretar e compreender textos. Estima-se que um a cada quatro brasileiros seja analfabeto funcional e 6,8% da população seja analfabeta absoluta. Esse contexto é fruto de um sistema de educação guiado pelos modelos antigos, que não estimula a criatividade individual e o hábito da leitura como algo prazeroso e cotidiano. Ademais, há uma má gestão dos investimentos e gastos nessa área. Vale também ressaltar, que cerca de 80% da população estudantil brasileira está matriculada em escolas públicas e, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), menos de um terço destas instituições possuem salas de leitura ou bibliotecas. Como formar leitores em espaços que não oferecem a condição essencial para essa tarefa?
O desafio de criar o hábito da leitura passa, antes de tudo, pelo ambiente familiar. Nas classes desfavorecidas, as famílias ainda enfrentam a dificuldade de ter pais com baixo nível escolar, que não leem e, portanto, não transmitem o valor dos livros a seus filhos. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019, mais da metade da população adulta (acima de 25 anos) possui média de 9 anos de escolaridade, ou seja, não concluiu uma das etapas educacionais, que compreendem o ensino Infantil, Fundamental e Médio. Estes adultos são os pais das crianças do agora e do futuro. Sem dúvidas, o processo educativo começa em casa, antes da escola ou de qualquer outra instituição que o indivíduo venha a ter contato em sua vida,logo, se não há incentivo no contexto domiciliar, dificilmente haverá interesse futuro nesta prática que, portanto, não será costume e muito menos um valor.
Neste cenário de deficiência escolar no ambiente familiar, ligado à dificuldade de acesso aos livros e o analfabetismo funcional, dentre outros fatores, datas como o dia da literatura, deveriam ser alvo de iniciativas coletivas. Vê-se, portanto, a necessidade de implementação de políticas públicas eficazes, apoiadas pelo setor com projetos de incentivo à leitura, acompanhadas da democratização do conhecimento. “Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo.”, esta frase proferida por Malala Yousafzai em seu discurso na ocasião em que recebeu o Prêmio Nobel da paz em 2014 nunca foi tão contemporânea e verdadeira.
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