Kalush ─ arte como instrumento de resistência

Reportagem por Júlia Martins de Souza em 19 de setembro de 2022


Publicado por André Guerino

banda ucraniana Kalush no palco do evento eurovision
banda ucraniana Kalush no palco do evento eurovision – Reprodução: The Sun

      Com a pandemia de Covid-19, houve uma série de restrições em atividades presenciais, sendo uma das mais marcantes a pausa dos festivais de música. No contexto pandêmico atual, as lives voltaram a dar lugar aos shows com a volta do público presencial, e não poderia ser diferente com o Eurovision, concurso que reúne artistas de toda a Europa e teve sua transmissão limitada no ano de 2020. Ainda que o modelo regular do festival tenha voltado em 2021, com a vitória da banda italiana Måneskin, a edição de 2022 se mostrou tão marcante quanto sua antecedente, ao dar destaque a uma banda ucraniana em pleno contexto de guerra. 

        Kalush é um grupo ucraniano que mistura as influências ocidentais do rap com a música folclórica e tradicional da Ucrânia. Foi formado em 2019 pelo rapper Oleh Psiuk e reúne também, na formação Kalush Orchestra, os vocalistas Tymofii Muzychuk e Oleksandr Slobodianyk, o multi-instrumentista Ihor Didenchuk, o dançarino Vlad Kurochka e Vitalii Duzhyk, tocador de Sopilka — instrumento de sopro típico ucraniano semelhante a uma flauta. O nome do grupo foi dado em homenagem à cidade natal de Psiuk.

    A trajetória do Kalush até o pódio do Eurovision 2022, o concurso de canções mais famoso de toda a Europa, foi marcada não apenas pela expressão artística singular no ritmo musical e a presença de palco dos músicos, porém, infelizmente, ganhou um grande destaque devido à vigente invasão russa ao território ucraniano. Stefania foi a música apresentada pelo grupo na final do programa e é uma canção dedicada à mãe de Oleh Psiuk, homônima ao título, no entanto, devido à sua letra, foi atribuído à música a metáfora que representa a “pátria mãe, Ucrânia”. Um dos trechos que melhor carrega a resistência e o patriotismo ucraniano diz: “Sempre regressarei para você, até com todas as estradas quebradas.”

          Apesar de as forças militares russas serem bem maiores em relação às ucranianas, o país se mostra resistente à invasão e não demonstra sinais de rendição, segundo Yvan Sibernagel, professor de geografia do colégio Único Educacional. “Os ucranianos que realmente conseguem lutar pelo país, estão dando o sangue por isso, e é justamente por causa deles que a Rússia ainda não tomou a Ucrânia. O nacionalismo ucraniano está na ponta dos dedos, na ponta das botas, está na arma que os caras estão lutando.”, explicou o professor em entrevista.

      Ainda de acordo com Yvan, a produção cultural interna da Ucrânia concentra-se principalmente fora do país, visto que a maioria dos ainda residentes se encontram focados para fins de guerra. O apoio a essas manifestações culturais teve um crescimento exponencial em âmbito internacional devido à comoção mundial com a situação ucraniana, tendo como exemplo o próprio Kalush, que garantiu sua vitória no Eurovision 2022 principalmente graças ao voto popular.

      O grupo afirma que, além do prêmio da competição, outros fundos recolhidos por meio de apresentações e uma futura turnê serão destinados ao exército do seu país de origem, a fim de manter essa resistência contra as medidas imperialistas da Rússia. Kalush conta não só com o amparo internacional, mas também demonstrou ter conquistado uma vitória moral ao ter Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, postando em suas redes sociais sobre a participação do grupo na competição: “Nossa coragem impressiona o mundo, nossa música conquista a Europa!”, publicou após o anúncio da vitória e ainda exprimiu o desejo de sediar o festival no próximo ano, uma vez que cada edição do Eurovision é realizada no país de seus vencedores anteriores. Com tal pronunciamento, o grupo Kalush ensinou ao mundo como a autenticidade da arte se impõe na indústria cultural e faz-se necessária em momentos de crise, de forma a emocionar e inspirar novas gerações revolucionárias.

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