Festival CoMA, o festival que mostra o ouvido do que ecoa no silêncio.

Festival CoMA, o festival que mostra o ouvido do que ecoa no silêncio.

Reportagem por Beatriz Sousa Gonçalves em 18 de outubro de 2023

Publicado por Ana Júlia Velasco

Imagem sobre festival CoMA
Festival CoMA

O festival de Conferência de Música e Arte, conhecido como ‘’CoMA’’, ocorre desde 2017 na capital do Brasil. Emerge como um chamado para a expressão cultural, artística e enriquecimento do diálogo em Brasília. Conta com line-ups selecionadas, produções artísticas relevantes tendo enfoque para o cenário da construção do festival. Já passaram em seus palcos grandes nomes imortais da música popular brasileira: Ney Matogrosso e Elza Soares. Além de lendários da MPB, o festival também busca dar palco e voz a artistas iniciantes. Em sua formulação há o denominado “showcases”, que consiste em apresentações de até 20 minutos com projetos musicais da comunidade de Brasília, cuidadosamente selecionados pela curadoria do evento, reforçando seu caráter de democratização e deselitização musical.

Para além da música, o festival se mostra extremamente amplo contendo debates, mentorias, rodas de conversas, oficinas e cinema. Possui, ainda, em todas as atrações, o intuito de escutar o que, por vezes, ecoa no silêncio. A edição que ocorre neste ano, em outubro, conta com exibição do documentário “Apenas um coração selvagem – Belchior” sobre a vida e obra do cantor Belchior e “Jura Capela”, que retrata a visibilidade das manifestações culturais de Recife.

A sexta edição do festival brasiliense ocorrerá entre os dias 4 e 8 de agosto de 2023 no Centro Cultural Banco do Brasil. O ineditismo do local é totalmente pertinente ao tema do festival, o qual se mostra na via de inovação cultural, desde sua proposta, até a criatividade em sua abreviação CoMA.

Dentre as atrações, o festival terá Baianasystem, um projeto musical criado em 2009 de suma importância e exaltação cultural, que buscava inovações para a guitarra baiana, a qual foi responsável pela criação do trio elétrico. O nome surge da união entre guitarra baiana e “sound system”, um sistema de som produzido na Jamaica. O referido projeto segue vivo há 14 anos, com fusão entre culturas, resistência e também a faixa “Libertação” em colaboração com Elza Soares indicada ao Grammy 2020.

Outra atração será Johnny Hooker, grande revelação da música popular brasileira e vencedor do Prêmio da Música Brasileira como melhor cantor. Vale ressaltar que Johnny é um artista completo. Suas músicas trazem diversas críticas à mentalidade da sociedade atual e pautas da comunidade LGBTQIA+.

Além disso, outra atração será: Francisco, el hombre, grupo musical que dispensa apresentações, formado em 2013 por dois irmãos mexicanos naturalizados brasileiros. O primeiro álbum da banda “soltasbruxa” foi gravado na capital de Cuba e busca tornar notório pautas de exaltação feminina e libertação perante uma sociedade tão intolerante e machista.

O festival é mais do que um evento que ocorre nas ruas da capital do Brasil. É a síntese do grito que foi censurado por 21 anos durante a ditadura militar. Brasília, que por anos indicou o símbolo de tal opressão, reergue-se com novos ares no festival CoMA, carregado de simbologia. Passaram por seus palcos Ney Matogrosso, ex-integrante do grupo Secos & Molhados, citado por muitos como o mais “transgressor da história”. O grupo foi criado no auge da ditadura em 1971, o qual proferia críticas duras, inteligentes e sensatas que passaram despercebidas aos censuradores nada observadores, ao que não era visível aos olhos. A banda transformava poemas em melodia, como na música “Rosa de Hiroshima” que é originalmente um poema de Vinicius de Moraes. A crítica rigorosa sobre a violência policial escancarada feita na faixa “Assim Assado” passou despercebida aos olhos de censuradores e
do DCDP (Divisão de censura de Diversões Públicas) durante o regime.

Tamanha inteligência e singularidade foram palco do sucesso do grupo que, mais do que críticas, trouxe exaltação à cultura brasileira no single “Sangue Latino”, com trechos que exalam que a arte sempre resistiu a todas as ditaduras.

A emblemática Elza Soares, consagrada como uma das maiores vozes da MPB, também teve presença confirmada no palco do festival em 2018. Dita emblemática não apenas por sua voz e composições, mas também por sua história de resistência frente ao racismo e machismo. Elza passou por um casamento abusivo e em sua arte incentivou e incentiva outras mulheres a se libertarem de tal amarra como na música “Maria da Vila Matilde”. A cantora teve sua casa metralhada durante a ditadura militar tendo que se retirar do país. O fato foi relembrado em entrevista ao Porchat, em 2018, onde Elza, muito crítica, alega que vê o futuro repetindo o passado e que nada mudou, ao ser questionada sobre o que achava de brasileiros pedindo a volta da intervenção militar. Elza era um cometa e o CoMA teve a sensibilidade de olhar para o céu e levar ao seu palco a artista que representa tudo que o festival propõe.
O evento é muito mais que música. São olhos e ouvidos da construção cultural de um povo ー o ser brasileiro. Cultura é tudo que o homem faz para sobreviver: moda é cultura; língua é cultura; arte é cultura; comunicação é cultura; música é cultura; o CoMA é cultura e faz parte do grito de sobrevivência e resistência perante às opressões.

Se, para a sociologia, a comunicação constrói a realidade e a cultura, o festival é o principal dos arquitetos, pois cantar é cultural e parente do grito.

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