Além do Oscar: A glória e a memória ainda estão aqui

Resenha por Beatriz Gonçalves


Publicado por Mariana Dias

O filme Ainda Estou Aqui ao ganhar o Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional, elucidou que a arte sempre resistiu e resiste a todas as ditaduras. A premiação, além de impulsionar debates sobre o assunto que o filme aborda, também trouxe à tona questionamentos negativos, como: “E a fome no Brasil?” “E qual o impacto disso nos problemas relevantes brasileiros?”

O filme dirigido por Walter Salles, é uma adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva. Ainda Estou Aqui possui uma fotografia espetacular, acompanhada de uma direção criteriosa, que constrói uma narrativa dolorosa sobre a vida do deputado Rubens Paiva (interpretado nofilme por Selton Mello) durante a ditadura militar brasileira. O filme retrata o momento de maior acirramento político e perseguição a opositores do regime militar. Durante o ato institucional Nº 5, conhecido como “O golpe dentro do golpe” (por ter sido o mais severo e por ter acabado completamente a imagem amigável que o regime tentava passar para o exterior), Rubens Paiva mantinha contato com guerrilhas contra o regime militar, um ato muito arriscado e de extrema coragem que culminou em sua descoberta e prisão política. O filme retrata o momento em que os militares chegam à sua residência, fechando janelas,tirando o brilho de alguma esperança contra o severo regime, trancando portas e, mais uma vez, elucidando metaforicamente o caráter ditatorial do período e tirando as crianças de suas vida comum e feliz na rua.

Cesar Paschoalini diz: “A esperança é uma criança, que não simplesmente espera, mas que, principalmente, sonha”. Análogo a essa frase, os militares, ao tirarem as crianças de suas brincadeiras, levam consigo seus sonhos e a esperança de um dia melhor.

Após Rubens Paiva ser levado, o clima de tensão paira sobre a casa da família e se estende por todo o filme. Dias depois, Eunice Paiva (interpretada por Fernanda Montenegro)e uma filha do casal são sequestradas e levadas para a dependência do DOI-CODI. Eunice é torturada pelos militares por dias. O filme retrata seu semblante cansado e maltratado,após dias de tortura, até finalmente ser devolvida à sua casa, Eunice volta para sua casa com marcas no corpo e na mente. Muitos alegam que Eunice voltou traumatizada, mas,como disse a ex-presidente Dilma Rousseff: “É diferente de trauma… chama-se repressão política”. Concordo que Eunice volta violentada após uma repressão política, e não traumatizada. Dessa forma a história se desenrola, Eunice após a repressão torna-se advogada conseguindo a certidão de óbito de Rubens Paiva.

Após essa breve resenha, voltamos ao tópico principal: o que isso realmente impacta no cenário brasileiro?

O sociólogo Pedrinho Guareschi afirma que o nível de consciência de uma sociedade sobre si mesma está quantificado pelo grau de sua cultura, e, portanto, de sua produção cultural. A produção cultural, além de ser um reflexo de determinada época, demonstra o grau de conscientização da população sobre o cenário político, afinal, antes do cinema ser arte é memória! A cultura, além de entreter, desenvolve senso crítico na população, e uma população consciente é uma população que desafia o sistema. O que elucida-se em regimes ditatoriais como na obra 1984 de George Orwell, uma das primeiras coisas a serem controladas na distopia é a criação e a produção de arte, pois com a arte controlada pelo Estado não há espaço para questionamentos, e a população se torna passiva, controlada e não desafia o sistema.

Portanto, o filme Ainda Estou Aqui, ao mesmo tempo que traz à memória os anos de chumbo no Brasil, torna-se disruptivo ao romper com a bolha e incentivar o senso crítico,levando isso para além das fronteiras da América Latina e conquistando o primeiro Oscar brasileiro.

Com os constantes ataques ao sistema democrático brasileiro, é necessário lembrar-se dos anos de chumbo para nunca os esquecer. Afinal, até hoje, nenhum dos generais e líderes envolvidos na ditadura militar foi punido; seus nomes continuam estampando nomes de avenidas, ruas, viadutos e pontes. Geraldo Vandré, em “Para Não Dizer Que Não Falei Das Flores”, diz: “Há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos, de armas na mão, sendo ensinados nos quartéis uma antiga lição de morrer pela pátria e viver sem razão.” Infelizmente, com esses ataques constantes ao sistema democratico elucida-se queo sistema militar permanece o mesmo. O filme e o Oscar trouxe luz a debates que talvez aconteciam apenas no escuro, recordando o que não pode ser esquecido. Esse é o verdadeiro impacto do filme no cenário brasileiro.

É preciso estar atento, meu amigo!

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