Monty Python, a coisa mais engraçada que eu já vi

Monty Python, a coisa mais engraçada que eu já vi

Artigo de opinião por Davi Sousa da Vinha em 01/12/2021

Monty Python
Monty Python

Monty Python é um grupo de comédia britânico originalmente formado por Graham Chapman, Eric Idle, Terry Gilliam (único norte americano e animador), Terry Jones, John Cleese e Michael Palin. Os membros tiveram projetos anteriores separados, considerados fundamentais para a acumulação de experiência para a criação oficial da trupe e do programa, em 1969, na BBC, Monty Python ‘s flying circus.

Mas você deve estar se perguntando: qual foi o impacto dos Pythons no mundo da comédia e televisão? Bom, eles só foram as origens de correntes cômicas recorrendo de elementos como o pós-modernismo, sátira e filosofias absurdistas, inspirando comédias como Rick and Morty, South Park, Simpsons, Deadpool e programas como o Saturday Night Live, citando alguns exemplos. 

Chapman, Idle, Gilliam, Jones, Cleese, Palin

  Mas o quê foi de tão diferente, interessante e, principalmente, engraçado em Monty Python? Bom, sobre as esquetes do Flying Circus, o grupo decidiu fazer comédia quebrando as regras dela mesma. Caso você não esteja familiarizado com a anatomia de uma piada, ela é comumente separada em duas partes, sendo elas “setup”, parte em que se prepara o terreno a fim de se encerrar com a “punchline”, a quebra de expectativa na 2ª parte, havendo a concentração de risadas.

       Os Pythons, em vez do caminho mais comum, planejam suas esquetes com uma boa dose de metalinguagem. Por exemplo, na esquete do restaurante, em que um cliente reclama do garfo sujo, os funcionários ficam muito frustrados e exageram nas desculpas, sendo muito dramáticos, inclusive um tentando cometer suicídio, e, quando a situação se acalma, aparece um aviso: “ E agora… a punchline”. Seguindo com o comentário do cliente: “Ainda bem que eu não falei da faca.”.

       São tão metalinguísticos que constantemente quebram a quarta parede, sendo o cúmulo dessa técnica evidenciada pela criação da “Polícia da Comédia”, a qual podia aparecer a qualquer momento interrompendo a esquete atual com a desculpa de que “está ficando bobo demais”. Inclusive, isso também é um dos pontos fortes desses comediantes: A imprevisibilidade. A qualquer momento, a trupe da Inquisição Espanhola pode invadir a cena ou um barbeiro psicopata pode virar um lenhador cantarolante para se revelar um cross-dresser maluco. Este último exemplo demonstra outra característica do programa também em relação à anatomia das piadas.

Graham Chapman como Brian

Veja, na série, as esquetes não são separadas formalmente. As coisas simplesmente acontecem com uma cronologia bem incomum e inconstante, interessantemente, deixando algumas piadas sem a devida punchline ou cortando para as animações bizarras do Terry Gilliam, formando uma sátira sobre a própria comédia. Outro aspecto a se analisar diz respeito aos temas. Sitcoms da época sempre tentaram criar a graça a partir do cotidiano. Mas Monty Python pensa, obviamente, de outro jeito. Os membros britânicos eram bem cultos (tendo estudado ou em Oxford ou em Cambridge) e muitos episódios tinham temas históricos ou filosóficos como o quiz socialista e o futebol de filósofos.

 Além do Flying Circus, eles produziram filmes idolatrados pela crítica e por nerds,como eu. até hoje. Fizeram o “E agora para algo completamente diferente” que é uma refilmagem das esquetes mais famosas com uma melhor qualidade de direção e orçamento em 1971. Embora tenha ficado fantástico, as obras primas mais conceituadas são “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado” (1975), “A vida de Brian” (1979) e “Monty Python – O Sentido da Vida” (1983).

Começando pela 1ª de 1975, aqui são bem expostas as ideias pós-modernistas do grupo. Pós-Modernismo é basicamente uma tendência artística/filosófica, cunhada pelo filósofo francês Jean-François Lyotard, a qual dita que as histórias, contos e mitologias são fruto das metanarrativas, ou seja, conceitos e sentidos universais por detrás dessas narrativas como família, honra, amor e outros elementos atemporais na vida dos seres humanos.

 “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado” deturpa e brinca com as diversas metanarrativas possíveis da Idade Média como cavalheirismo, castidade, religião, coragem e toda a história lendária do Rei Arthur e seus guerreiros, sendo a chegada em Camelot ridicularizada e o resto da jornada também, além de caçoarem a própria filmagem em relação ao baixo orçamento, quebrando a quarta parede, nomeando personagens com números de cena e, uma cena em especial, a morte da terrível fera de Aaaaaaaargh. É um filme que brinca com metanarrativas e o filme em si, podendo ser considerado ainda como um “anti-filme”.

John Cleese como ministro dos andares bobos

Seguindo para a 3ª obra prima de 1983, “Monty Python – O Sentido da Vida” é uma aula de satirização. Bem antes de South Park e Simpsons, Monty Python pavimentou o caminho para a sátira política e social. O filme é uma grande piada sobre guerra, imperialismo britânico, pobreza, riqueza, religião, exército, burocracia e, é claro, a vida em si. Algo muito parecido com a série, tendo políticos constantemente retratados como pessoas muito patetas e quase inúteis para a sociedade. Bom exemplo disso é a esquete do Ministério dos Andares Bobos, na série; e a cena da extração de fígado, no filme.

Sobre a 2ª-e pessoalmente favorito-de 1979, “A Vida de Brian” é definitivamente uma crítica ao fanatismo religioso e um acolhimento ao absurdismo de Albert Camus. Brian é um judeu qualquer na época de dominação romana da Judéia que é confundido com o Messias, desenrolando situações bem cômicas. Foi proibido em alguns lugares, embora nunca tenha criticado ou ridicularizado a figura de Jesus. Inclusive, ele só aparece em uma cena durante o famoso discurso da montanha de maneira respeitosa, em que a piada em si são apenas alguns ouvintes ao longe com dificuldade de escutar por causa da distância. O foco do filme é o protagonista, Brian.

Brian, sem querer, cria uma religião em uma certa parte do filme e tem seus pertences, ações e tudo em relação a ele confundidos com sinais sagrados ou com guias divinos. É uma crítica às pessoas, cujas más interpretações levam ao fanatismo religioso e à ignorância, pois, por mais que Brian tente convencer seus seguidores de que eles deveriam pensar mais e ser mais críticos, eles acabam idolatrando-o ainda mais.

O filme acaba com a crucificação de Brian. Desesperançoso, triste e desencorajado, Brian tem sua atenção chamada por um companheiro de crucificação, dizendo para ele olhar sempre para o lado bom da vida, procedendo a cantar “Always Look on the Bright Side of Life”. O final basicamente reflete o Mito de Sísifo, em que um homem é condenado, por toda eternidade, a empurrar uma pedra morro acima e, ao chegar próximo do fim, a pedra rola novamente para baixo tendo de recomeçar tudo de novo. Albert Camus relaciona esse conto à vida em si e, por mais trágico que seja, ele dita que não nos deveríamos deixar abater pela morte e pela falta de sentido, mas, sim, sempre olhar para o lado bom da vida, pois, embora absurdo, a risada frente a esses momentos injustos e ilógicos é um bom conforto.

poster do Cálice Sagrado

  Monty Python foi sem dúvida um impacto cultural no modo de fazer comédia, na filosofia, na filmografia e até na criação da palavra “Spam”. Há uma esquete em que um casal vai em um restaurante o qual serve tudo com Spam (SPiced HAM, uma carne enlatada), e a repetição dessa palavra é tão irritante e gozada na cena que os primeiros fóruns da internet começaram a usar essa palavra para se referir a correntes de mensagens repetitivas e indesejáveis.

 O grupo foi tão culturalmente impactante que há uma palavra criada para se referir ao “non-sense” surrealista do grupo no dicionário: “Pythonesque”. É nerd, cult e muito engraçado. Atualmente, a série, The Flying Circus, e dois filmes, Vida de Brian e O Cálice Sagrado, estão disponíveis na Netflix. Assista às recomendações citadas imediatamente. Caso você não goste, está levando a vida muito a sério. Desencana e lembre-se de sempre olhar para o lado bom da Vida. 

– FONTES

Olha, esses vídeos tem spoilers das piadas da série e dos filmes, mas assim eu acho que ainda fica engraçado mesmo sabendo, pois até hoje revejo A Vida de Brian. Porém, claro, caso queira uma experiência mais nova, veja primeiro os filmes e o programa em si

https://youtu.be/VYBcnv73_UU : vídeo do canal Entre Planos no YT sobre o grupo (spoilers de mais algumas piadas)

https://youtu.be/vFANgWN2Ul0 : vídeo do cana Wisecrack no YT mais sobre os filmes e a profundidade dos temas (também spoilers de umas boas piadas)

https://jovemnerd.com.br/nerdcast/nerdcast-153-monty-python-e-o-nerdcast-sagrado/ : Nerdcast sobre o grupo com muitas gargalhadas e curiosidades (claro que com mais spoilers de piadas)

https://youtu.be/_bW4vEo1F4E : a esquete do SPAM em má qualidade mas dá pra ter um gostinho de como é

animação de terry gilliam com gravuras recortadas
https://www.hilarystoddard.com/wp-content/uploads/2019/04/flyingCircus.jpg
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