Resenha

Lygia Fagundes Telles: A presença como algo que finda antes do fim do presente

Lygia Fagundes Telles: A presença como algo que finda antes do fim do presente

Resenha por Maria Luiza Cronemberger de Faria em 14 de abril de 2022


Publicado por Maria Rita Mamede

Contista e romancista brasileira Lygia Fagundes Telles. (Reprodução da imagem: Brasil Escola)

Uma nova presença se contamina com a desilusão de um mundo que rejeitou quem lembra que se morre ou muda a já consolidada desesperança nos corações de quem ainda tem (mesmo que curto) tempo de vida?

Lygia Fagundes Telles faleceu esse domingo (03/04) por causas naturais. O pôr do sol da autora de 98 anos (algumas pessoas suspeitam que ela tinha 103, mas essa é outra história!) não levou sua eterna presença como a dama da literatura brasileira e jamais levará. Vencedora de prêmios nacionais e internacionais, Lygia foi eleita também para a Academia Brasileira de Letras em 1985.

Hoje vim falar sobre um conto intitulado “A Presença” de sua autoria, que esteve presente em mais de uma coletânea de contos publicados por ela. 

“A Presença” conta a história de um jovem que decide se hospedar em um “hotel” onde só havia idosos, o que provoca estranhamento do porteiro e uma reflexão sobre estarismo e conflito geracional. 

Desconfiado da decisão do personagem, o homem mais velho revela o cenário da hospedaria ao leitor quando adentramos seus pensamentos: como em um espaço repleto de tristeza e desesperança se insere a vivacidade de um jovem? Como ele não percebia como sua presença poderia incomodar?

Gerou-me estranhamento, nesse momento, também a decisão do personagem: se talvez decidira ir para tal lugar porque era sozinho (e assim entendemos que na velhice costuma existir abandono, e ele tivera esse abandono antes da velhice de fato chegar) ou porque desejava que sua vida, ainda no começo fosse algo que se destacasse (como se fosse a única coisa que enxergasse ser especial em si mesmo).

De qualquer forma, Lygia não entrega as cartas em nenhuma de suas obras, sempre disposta a instigar quem as lê a pegar os pequenos detalhes por conta própria e, por isso, ela nos apresenta pequenas histórias dos hóspedes: incapacitados de subir escadas; um dia vangloriados, hoje esquecidos; portadores de sofrimentos e ataques durante a juventude e no fim só lhes resta a invisibilidade. Enfim, como a sociedade enxerga o envelhecer? 

O conto ressalta a objetificação dos idosos, referidos em um trecho como “fantasmas” pelo jovem e até por si mesmos em face ao abandono da sociedade.

O jovem realmente adentra a hospedaria, nada longas braçadas, exibe o vigor da juventude para os olhares desejosos e frustrados dos outros habitantes e descansa sobre um banco começando a sentir uma camada de tristeza invadindo o seu ser. “Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”, já diria Belchior. Não tenho como afirmar as intenções de Lygia com essa interação, mas me vem na alma a triste ideia: talvez se conformar com o mundo seja a única coisa que possamos fazer; talvez seja impossível mudar suas estruturas; talvez todos os idosos, na sua juventude, quiseram reformar as estruturas e hoje se veem nos mais novos com tristeza, sabendo da impossibilidade de novos ares.

Ou talvez, só talvez, o que nos distancia nos aproxime e, se fôssemos capazes de enxergar que envelhecer faz parte de ser vivo e a morte também, pudéssemos ouvir um pouco do que se passou. Quem sabe se considerássemos os tempos passados não como descartáveis, e sim como renováveis, pudéssemos mudar o mundo. Não é questão de ser necessariamente diferente, e sim melhor para todos… de fato, seria bom, mas só quando pararmos de desconsiderar o que já envelheceu. Quando entendermos que envelhecer é inerente a todo mundo que viva.

“A Presença” nos lembra do medo que temos do novo e do medo que temos do velho quando o presente é uma união dos dois: do que vai e do que vem. Envelhecer é sentir saudade e temer, porque caminhando e caminhando se chega na morte do corpo: antes para os outros, depois para você.

Creio, assim, que Lygia nos chama atenção de maneira minuciosa e delicada: não abandonemos, não silenciemos quem nos lembra de que a vida finda; o mundo só muda de verdade quando a esperança parte dos dois lados, quando no futuro que não viveremos e no passado que não vivemos é pensado. Assim, talvez, com a presença de todos os tempos, sejamos capazes de melhorar.

A importância dos clássicos, destacando as obras da autora, está em ouvir a mensagem passada pelos tempos passados e encaixá-la nos novos tempos para que se venham novos ventos. Obrigada por esses 98 anos, Lygia Fagundes Telles, obrigada por tentar nos fazer caminhar mais em direção aos novos ventos. 

Finalizo, portanto, citando Mário Quintana, para que enxerguemos a presença de quem viveu e sua importância para quem viverá; além de uma pequena ode e ao mesmo tempo lamento pelo destino de todos que têm sorte de viver bastante: quando chegar nossa vez, também não esqueçamos do futuro.

Envelhecer

ㅤ”Antes, todos os caminhos iam.

ㅤAgora todos caminhos vão.

ㅤA casa é acolhedora, os livros poucos.

ㅤE eu mesmo preparo o chá para os fantasmas”.

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Cronemberger de Faria Maria Luiza

Sou a Maria Luiza, tenho 17 anos e exerço o papel de jornalista da Folha Única. Além da paixão por escrever, sou uma leitora assídua e fissurada por música, trazendo sempre referências diversificadas aos meus trabalhos.

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