Resenha

Guerra Fria: o outro demogorgon de Stranger Things

Guerra Fria: o outro demogorgon de Stranger Things

Resenha por Leticia Vaz em 21 de Junho de 2022


Publicado por Beatriz Pinheiro Martins

Personagens da série “Stranger Things” (Reprodução da imagem: Rap Mais)

Disponível no catálogo da Netflix, a série Stranger Things vem quebrando recordes depois do lançamento da primeira parte de sua quarta temporada. Este compilado de episódios é aguardado desde 2019, o que causou ainda mais expectativa nos fãs que esperaram quase três anos para saber o desenrolar de cada um dos personagens e se derrotaram os vilões do mundo invertido, com os quais lutaram diversas vezes nos capítulos anteriores. 

 O enredo da nova parte se desenrola nos anos 80, período em que as duas maiores potências do globo terrestre: Estados Unidos e União Soviética, lutavam pela hegemonia de poder em relação aos outros países, resultando em uma política bipolar de influência global, formando uma cortina de ferro que dividia o mundo. Uma vez que as duas frentes da guerra eram as maiores detentoras de armamento militar e nuclear, era esperado que as batalhas em campo fossem devastadoras, então a disputa foi marcada pelas proxy wars, guerras em que se usam países menores e com menos condições financeiras de marionete. Um ótimo exemplo pode-se dar pela Guerra do Vietnã, na qual o Vietnã do Norte era aliado da URSS e o Vietnã do Sul era aliado dos Estados Unidos. 

Outra forma de sincretizar o conflito entre as duas nações foi através da competição científica, representada na série por diversas vezes. Tal competição é explorada com propriedade na terceira temporada, em que cientistas russos invadem secretamente a cidade de Hawkins na busca por uma fonte de energia mais eficiente e acabam abrindo um portal para o mundo invertido. Nesta trajetória fica evidente o conflito social entre as duas partes, pois em diversas cenas que há contato entre soviéticos e norte-americanos a comunicação se torna ofensiva e sempre busca ressaltar a soberania de seu país em detrimento do outro. Personagens como Dustin e Erica diversas vezes ao longo desta temporada fazem comentários depreciativos sobre os russos e exaltam seu país. A Guerra chegou até às crianças, o que comprova que, sobretudo, a Guerra Fria foi ideológica. 

Em virtude da corrida armamentista, Estados Unidos e URSS deram início a diversas pesquisas para promover mais e mais progresso. O desespero por poder fez com que tudo fosse possível, inclusive que algumas das experiências científicas passassem dos limites e começassem a violar direitos, como no caso da indústria de Hawkins. Sendo então mais uma referência trazida pela série, a questão latente das pesquisas e armas se tornou uma fixação e até mesmo uma aferência de honra entre as potências. A personagem Eleven pode ser comparada a uma arma criada pelos Estados Unidos, mas que acabou saindo do controle, e algumas fontes indicam que assim como no país norte-americano existiam crianças sendo utilizadas para experimentos também na União Soviética. 

Já na quarta temporada, quando Hopper é capturado por soldados russos, há o apogeu na série da crítica situação. Em território russo, o policial é submetido a diversos tipos de tortura, humilhado muitas vezes e é forçado a trabalhar para o outro polo da Guerra Fria. Com Jim em território russo, fica ainda mais evidente a aversão que os cidadãos dos países têm entre si, mesmo preso e machucado o estadunidense ofende inúmeras vezes os guardas da prisão onde se encontra, ofensas estas que são retribuídas pelos soviéticos. 

Dada então a importância do seriado, acima do seu caráter divertido e envolvente, a série carrega um contexto histórico e importante quando se busca entender os personagens e suas atitudes. Stranger Things vai muito além do mundo invertido, do romance e dos casais, dos jogos e da cultura nerd. 

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