Resenha por Bianca Miranda Soares em 23 de setembro de 2023
Publicado por João Otávio Marquez e Silva
Um dia, tecnicamente, dura vinte três horas e cinquenta e seis minutos, no entanto, seus impactos podem durar uma vida inteira. É possível partir desse pressuposto ao analisar a excelente “Trilogia do Antes”, em que cada filme mostra um dia (ou parte dele) na vida de um mesmo casal passeando por alguma cidade europeia, com intervalos de dez anos entre uma película e outra. Todos os filmes foram dirigidos por Richard Linklater, mas ao decorrer da série, os atores principais Ethan Hawke (Jesse) e Julie Delpy (Celine) ajudaram a compor a história e suas personagens que são tão verossímeis que merecem até um tópico à parte.
Um dos maiores trunfos do diretor é a dupla de protagonistas, que é eficiente em cativar o público, para que ele engaje e esteja disposto a embarcar no diálogo do casal enquanto as belas paisagens europeias são mostradas como plano de fundo para suas reflexões. Como acompanhamos o desenvolvimento dos dois ao longo de vinte anos, é notável como os personagens melhoraram ou pioraram, mas sempre mantendo a essência que apresentaram no primeiro filme da sequência.
ANTES DO AMANHECER (1995) – O sonho
O primeiro encontro é simples, sem as grandes firulas do cinema romântico. Dentro de um trem, são mostrados Celine, uma jovem francesa que volta de Budapeste após visitar sua avó, e Jesse, um americano que está a caminho de Viena para pegar um voo de volta para casa. Os dois estavam sentados em bancos diferentes, não conversavam, mas por conta da briga de um casal no vagão, os dois estabelecem um diálogo sobre casamento e família, falando como se já se conhecessem há anos. Essa primeira interação já estabelece uma conexão entre os dois, e por isso, quando o trem para em Viena, Celine desembarca com Jesse, que só voltaria ao seu país de origem na manhã seguinte.
Durante o resto do filme acompanhamos o desenvolvimento da relação dos dois, que já começou com data de validade, e por isso o casal tenta aproveitar ao máximo cada um daqueles instantes, que em teoria, não deveriam estar acontecendo. Mesmo que o diálogo estabelecido entre eles seja o ponto mais notável da evolução dos sentimentos das personagens, o diretor acerta em fazer que os olhares e pequenas sutilezas entre os dois sejam decisivos para demonstrar a sua crescente intimidade.
ANTES DO PÔR-DO-SOL (2004) – Pequenos vislumbres de realidade
Quase dez anos depois do primeiro e único encontro, Jesse está na cidade natal de Celine, Paris, lançando um romance que conta a história de um jovem americano e uma francesa que passaram uma noite juntos em Viena. A história parece familiar, certo? Celine, que era uma assídua frequentadora da livraria onde aconteceria o lançamento, viu um cartaz anunciando o evento e decidiu ir para ver o seu romance de juventude mais uma vez.
Quando se encontram, o tempo parecia não ter passado; os dois conversavam e refletiam com a mesma intensidade que faziam quando eram jovens idealistas, mas agora ambos eram confrontados com suas respectivas realidades. Celine vivia pulando de relacionamento em relacionamento, sem nunca experimentar uma conexão verdadeira como a que ela viveu naquela noite em Viena. Jesse estava em um casamento fracassado, que só se mantém de pé por conta de seu filho.
Ver aqueles personagens já conhecidos mais maduros e realistas, mas com a mesma essência da juventude, é reconfortante. Neste filme, o diretor faz um exímio trabalho em colocar o espectador na pele dos protagonistas. Quem assiste sente que era ele quem sentia falta e desejava a volta de seu amor fugaz de juventude e do sentimento desencadeado por ele.
ANTES DA MEIA-NOITE (2013) – A realidade nua e crua
Dez anos se passaram, Celine e Jesse estão juntos, têm filhas gêmeas e estão passando férias na Grécia, parece um final típico para um filme romântico, mas o roteiro subverte todas as expectativas. As personagens são reais, por isso tem conflitos, desentendimentos e entendem que talvez o amor não seja o único fator para manter um relacionamento.
A vida conjugal dos dois é o principal tema dos diálogos dos protagonistas, mas o diretor consegue inserir em um tópico tão particular ao casal os mesmos temas existencialistas e sociais, que sempre marcaram a relação dos protagonistas. Isso revela uma das qualidades da franquia: trabalhar inúmeras facetas das personagens e, mesmo assim, manter a mesma essência apresentada naquela noite em Viena.
A “Trilogia do Antes” é, sem sombra de dúvidas, uma das melhores produções românticas da atualidade. É magistral o cuidado do diretor e dos atores com Celine e Jesse, é nítido, também, que a fotografia e a montagem do filme são perfeitas para evidenciar a efemeridade dos encontros e desencontros do casal. Acima de tudo, os filmes assumem um lugar cativo no coração dos apreciadores de romances, porque subverte vários dos clichês do gênero, apresentando uma história verossímil que, ainda assim, extremamente onírica e poética.
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