Palavras estranhas vêm atormentando os jornais ultimamente quando se fala de eleições americanas: “democratas”, “primárias”, “delegados”, “caucus”, “convenção”, dentre outras. O sistema eleitoral americano é algo muito mais complexo que uma simples votação em que o candidato com o maior número de votos ganha. O processo começa bem antes de a eleição do presidente de fato ocorrer.
Para início de conversa, é importante dizer que nos EUA há um sistema bipartidário, ou seja, há apenas dois partidos relevantes concorrendo, um mais à esquerda (Democrata) e outro mais à direita (Republicano). Há candidaturas de partidos menores, mas é raro que um representante que não seja de um dos dois partidos tenha a mínima importância no processo eleitoral (e, quando eu digo raro, quero dizer raro mesmo).
Neste ano, o atual presidente, Donald Trump, republicano, concorrerá à reeleição. Há mais de um ano, os democratas estão se preparando para decidir quem será o candidato que irá disputar contra Trump: esse processo é o que chamamos de primárias. Ao contrário do Brasil, para decidir quem vai ser o candidato do partido, há uma eleição, em que os cidadãos civis filiados ao partido podem votar.
O que deixa tudo mais confuso é que as primárias, assim como a eleição presidencial americana, não são diretas, mas sim indiretas. O candidato com mais votos em determinado estado não necessariamente é quem irá ganhar, pois eles não estão disputando o número de votos, estão concorrendo por delegados. Mas o que são esses malditos delegados? Delegados são os representantes do partido que são escolhidos para de fato votar em quem será o candidato. Podem ser tanto “delegados prometidos”, com base na votação do candidato apoiado por eles, quanto os superdelegados. Esse último grupo é composto por pessoas importantes no partido, eles têm liberdade de escolher quem quiserem.
Mas como são escolhidos os “delegados prometidos”? Cada estado tem sua forma de votar, alguns escolhem pelo método de caucus e outros pelo de primárias propriamente dito. No caucus, há grandes ginásios onde as pessoas vão “votar”. Digo “votar”, pois não é exatamente um papelzinho onde a pessoa marca sua escolha e coloca na urna, nesse grande ginásio, cada candidato tem seu próprio canto. Os eleitores ficam horas nesse ginásio discutindo e resolvendo para que canto eles vão. Em um dado momento, há uma contagem das cabeças ou das mãos levantadas. Não, você não entendeu errado, é exatamente assim que funciona (no YouTube dá para ver vários vídeos mostrando como elas são, eu fortemente recomendo que você assista). Esse tipo de votação é bom para quem tem eleitores bem ferrenhos e que tem adoração pelo candidato, pois não é todo mundo que tem a boa vontade de comparecer a esses eventos. Já as primárias convencionais são votações convencionais com o uso de cédulas e urnas.
Porém, como eu disse um pouco acima, não é quem tem a maior quantidade de votos que necessariamente ganha. Parte dos delegados está reservada para o desempenho geral nos estados e outra para desempenho em cada distrito. Se um candidato tiver menos de 15% dos votos, ele é considerado “inviável” e não tem direito de levar delegado. Isso vale tanto para os votos reservados para o estado quanto para os distritais. Os votos alocados a cada unidade federativa são proporcionais à população absoluta e à quantidade de democratas no local. Por exemplo, a Califórnia tem um peso maior na convenção do que o Alabama, já que a população e o número de democratas são bem maiores.
As primárias não ocorrem todas no mesmo dia em todo território americano. Tradicionalmente, primeiro elas são realizadas em Iowa e, em seguida, em New Hampshire, o que dá a esses estados um peso desproporcional no rumo da eleição. Essa ordem é bastante criticada, em função dessas áreas serem pouco representativas, já que mais de 90% dos habitantes desses estados são brancos em comparação aos 60% de brancos no partido democrata. Os pleitos não são realizados simultaneamente para que os candidatos mais conhecidos ou mais ricos não sejam tão favorecidos, dando visibilidade também aos outros. Considera-se a data mais crucial a chamada “superterça”, quando são disputadas 15 primárias, inclusive a da Califórnia, com o maior colégio eleitoral.
Em julho esse processo se culmina com a chamada “Convenção” (este ano ela será sediada em Milwaukee, Wisconsin) que ocorrerá entre os dias 13 e 16. Nela, os membros do partido fazem uma série de discursos delineando a agenda partidária para os próximos anos. Também é onde será a votação oficial pelos delegados para definir o representante do partido nas eleições gerais. Para que haja um vencedor, é necessário que este obtenha 1990 dos 3979 votos. Sim, é um sistema muito complicado e essa é só a ponta do iceberg.