Direitos Humanos Por Deborah Nascimento, em 15/03/2020
O feminismo é um movimento político, social, filosófico e econômico que defende a luta das mulheres diante de um cenário hierárquico do homem na sociedade.
O conceito de feminismo é bem favorável na questão de mulheres brancas lutando pela causa, mas, para as mulheres negras, a história contada é bem diferente. Além de sofrer preconceitos raciais, a mulher negra sofre também preconceitos sexistas. Sendo a pauta do feminismo a mega inclusão de todas as mulheres no meio social, político e econômico, por quê, no cenário atual, observamos que, principalmente, em sua maioria, existem apenas mulheres brancas a frente do movimento? Por que todas as mulheres reconhecidas pelo combate ao machismo, como Simone de Beauvoir e Judith Butler, são especificamente brancas? O racismo deveria ser pauta de todos os movimentos, a falta de inclusão dessas negras só fortalece a crença de que o feminismo e outros movimentos são pertencentes, apenas, à elite branca.
Você já pode ter ouvido a frase “meu corpo, minhas regras”, que, coincidentemente, foi atribuído, por mulheres brancas, ao movimento feminista. Ela, porém, não faz jus a nenhuma negra, “porque o corpo da mulher negra nunca foi realmente dela”, como diz Jaqueline Conceição, pedagoga e mestre em educação (política, história, sociedade) pela PUC-SP. Além da hipersexualização, ela nunca teve oportunidades melhores, sendo, assim, em detrimento de um bem econômico melhor, levada a trabalhar desde muito cedo. No geral, uma mulher negra começa a trabalhar na adolescência; às vezes, até mesmo desistindo completamente do ensino básico para ajudar a sustentar sua família. A idealização do feminismo branco de que mulheres devem ter o direito de trabalhar funciona apenas para elas, pois a mulher negra trabalha desde o começo da escravidão. “Enquanto mulheres brancas faziam protestos para conquistar o direito ao trabalho, as mulheres negras estavam cuidando dos filhos delas, vê o quão explícito é o abismo social entre elas?”, diz Nataly Neri do canal do Youtube Afro e Afins. As mulheres negras, em geral, nunca tiveram um lugar de fala, uma voz, como podemos observar em movimentos negros ao redor do mundo, uma vez que todos a frente desses movimentos sempre foram homens. Elas carregam, portanto, dois “fardos”: o de ser mulher e o de ser negra perante uma sociedade injusta, como a brasileira, que é racista ao extremo. Sendo a maior parte da população brasileira negra, isso não deveria ocorrer. Podemos contar nos dedos quantas mulheres negras conseguiram chegar ao poder, se isso não aponta o reflexo do racismo no nosso próprio país, eu não sei mais o que falar para tentar convencê-lo de que há uma realidade deplorável nessa pátria tão amada, como diria o Hino Nacional, mas como amar uma pátria que te olha diferente pela cor da sua pele e pelo seu gênero? Isso acentua a necessidade de um feminismo propriamente dito negro, com pautas como baixa escolaridade e trabalho infantil, desigualdade social, falta de oportunidades, pautas que somente a mulher negra periférica entenderia.
Em uma série da netflix, “Coisa Mais Linda”, que se passa nos anos 50, fala-se muito sobre privilégios, mostra como a luta da mulher branca se difere de uma negra. A personagem Malu, na série, é uma mulher branca que batalha pelo seu direito de trabalhar, enquanto para Adélia isso é uma obrigação. Em um diálogo entre elas podemos observar as diferenças.
Malu: “Eu tava lutando pelo meu direito de trabalhar. Eu deixei meu filho na casa da minha mãe, eu estou tentando fazer alguma coisa pela minha vida, mas está muito difícil.”
Adélia: “Lutando pelo meu direito de trabalhar? Eu trabalho desde os 8 anos de idade, a minha avó nasceu em uma senzala e é dificil, muito dificil. Eu trabalhei 6, 7 dias na semana, saía de casa às 4 horas da manhã, ficava mais de 1 hora no ônibus na ida e mais de 1 hora no ônibus na volta. E chegava em casa a Conceição estava dormindo, tudo isso para colocar um prato de comida na mesa. Isso sim, para mim é relevante, eu sinto falta da Conceição todas as horas do meu dia. Seu filho já te pediu uma coisa que você nunca vai poder dar? A minha já.”
Malu: “Você tem razão, a gente não é igual.”
Essa conversa mostra que tanto o feminismo branco como o feminismo negro são movimentos diferentes em causas, mas iguais no sentido da luta da mulher contra o machismo estrutural da sociedade. No movimento negro, temos problemas de mulheres negras, com uma realidade totalmente diferente do movimento branco. Um não anula a importância do outro, mas os dois não podem ser considerados os mesmos. A importância da consciência negra é uma pauta essencial não apenas para as pessoas que possuem traços afrodescendentes, mas também para não negros, para que se entenda a importância do lugar de fala de uma mulher negra, posto que ela não tem a mesma oportunidade de alguém de cor branca e de uma classe econômica mais elevada.
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