Antes de qualquer coisa, quero esclarecer que não estou comemorando a internação do Johnson ou qualquer coisa assim. Apenas quero expor a ironia de toda a situação.
Para quem não estava acompanhando a situação internacional do avanço do novo coronavírus, darei aqui um sumário da atuação britânica: ao contrário da postura que outros países europeus vinham adotando, a Inglaterra estava muito relutante em tomar medidas mais restritivas à população para conter a propagação do vírus. Pelo contrário, na verdade: apostavam na imunidade de rebanho da população.
“Imunidade de rebanho” (em inglês “herd immunity”) significa ter a maior parte da sua população imune ao vírus, de forma que ele não é transmitido para aqueles que ainda não têm (ou não podem ter) essa imunidade. Não é um termo estranho quando se trata de infectologia: toda doença contagiosa tem sua porcentagem mínima de população imunizada para que a imunidade de rebanho funcione, e é com base nisso que são traçadas as estratégias de vacinação. Porém, o problema do novo coronavírus é que nós ainda não temos uma vacina. Não há, então, um meio realmente seguro de imunizar as pessoas. A única forma seria ter contato direto com a doença para produzir os anticorpos, mas isso implica pegar o vírus.
Dessa forma, a ideia do governo britânico seria expor deliberadamente os mais jovens para que eles já desenvolvessem imunidade, deixando isolados apenas aqueles com mais de 70 anos, com comorbidades ou com o diagnóstico de covid-19. Porém, nessa estratégia há uma série de problemas: em primeiro lugar, com as pessoas normais continuando a circular, gerando uma circulação mais intensa do vírus, seria inevitável a contaminação dos idosos, mesmo que eles ficassem em casa. Em segundo lugar, não são só os mais velhos que acabam precisando ser internados. O próprio Boris Johnson é um exemplo disso! Ele, com 55 anos, está fora do grupo de risco, mas mesmo assim precisou ser internado em uma UTI.
Com não apenas o grupo de risco precisando de atendimento hospitalar, incentivar a população a deliberadamente se contaminar é praticamente pedir por um colapso do sistema hospitalar. Um exemplo disso é a Itália, que inicialmente lançou campanhas publicitárias dizendo que o país não podia parar e depois, com o avanço da contaminação no país, teve seu sistema de saúde superlotado, com os médicos tendo que escolher quem seria internado. Simplesmente não havia leitos para todos os doentes. E isso sem falar nos profissionais de saúde que acabaram se contaminando, diminuindo ainda mais a capacidade do sistema de saúde.
A postura do governo britânico quanto a estratégias para lidar com o vírus mudou apenas depois de um estudo do Imperial College de Londres. Esse estudo dizia que, se o governo continuasse apenas com as ações que já vinha tomando, o número de mortes no Reino Unido poderia chegar a 250 mil. Mesmo assim, as medidas mais rígidas chegaram pouco a pouco em comparação com os outros países.
No domingo de Páscoa (12/04), o número de mortes no Reino Unido já ultrapassa os 10.000 e o país é um dos mais afetados pela doença na Europa. Felizmente, o premiê britânico já foi liberado da UTI, onde ficou internado por 2 dias. Porém, espero que ele tenha percebido a gravidade real da doença e continue incentivando a conscientização da população e o isolamento social. Afinal, um líder de governo simplesmente minimizar uma pandemia deste calibre é um desrespeito com todos que já foram ou podem vir a ser internados com sintomas graves de covid-19.
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