A imprensa foi um importante instrumento utilizado para promover, junto à sociedade, ataques ou defesas das ações de D. Isabel, enquanto Regente. Na base de tudo, estava em jogo a construção das representações da Princesa Imperial aos olhos do povo, representações que poderiam significar a garantia do Terceiro Reinado. Ou seja, sua aceitação, naquele momento, serviria para a manutenção da ordem política estabelecida. Sendo assim, as representações construídas pelos defensores e detratores do regime monárquico poderiam ter um peso fundamental na sobrevivência do regime, já que influenciariam decisivamente os rumos tomados pela elite dirigente, bem como o próprio imaginário popular, no que se referia à capacidade da Herdeira em tocar os assuntos de Estado.
A Revista Illustrada destacava que “todos compreenderam que à excelsa Princesa se devia um testemunho de apreço, pelo muito que também fez em prol dos cativos”1. A união entre as aspirações populares e a atuação decisiva da Regente no processo de derrubada do escravismo no Brasil é entusiasticamente representada na publicação de 5 de maio de 1888.
A ideia de que a monarquia agia com o intuito de responder às necessidades da sociedade brasileira poderia significar a própria longevidade do regime. A charge ressalta a luta de D. Isabel contra os escravistas, representados pelo Gabinete Cotegipe, e seu apoio inconteste ao abolicionismo. A nomeação do Gabinete da Abolição, sob liderança do Conselheiro João Alfredo, também defensor da libertação dos escravos, marca uma guinada política sem precedentes no Segundo Reinado em direção do fim da escravidão. Materializou a liderança da Regente na condução dos assuntos de Estado, e, principalmente, coragem para destituir um político influente como o Barão de Cotegipe. A imagem do jornal retrata, após realçar a Falla do Throno de 3 de maio de 1888, que expressou as intenções libertadoras da Regente, a responsabilidade que é jogada sobre os legisladores e sugere uma ação mais incisiva do clero na questão abolicionista.
Por outro lado, grupos republicanos buscavam desassociar o Império do abolicionismo, entrelaçando a escravidão à manutenção do regime monárquico no Brasil, não poupando, para isso, críticas a D. Isabel. O jornal O Pharol, por exemplo, estranha as “estrondosas ovações à Regente?! Para que essas loas entoadas à atual representante da instituição monárquica? É a história quem nos diz que a Monarquia no Brasil manteve-se e prosperou à custa da escravidão dos negros […]”2.
A carga cultural exigia muito mais das mulheres das classes sociais mais abastadas, como a Princesa Isabel, visto que essas, além de cumprirem com todas as prescrições estabelecidas para o sexo feminino – recato, submissão, dentre outras – deveriam ter uma formação que lhes permitisse transitar no espaço público como boas anfitriãs, boas esposas e boas filhas. Reside aí a explicação para a positiva aceitação de significativa parte da sociedade que viu com bons olhos a primeira experiência de mando político da regente. O que se pode comprovar nas páginas do Jornal do Commércio, ao registrar que “…todos respeitaram o caráter provisório da Regência e fizeram justiça à prudência, dignidade e acerto com que se houve a Princesa”3. Com tudo, nada escapava ao sarcasmo de setores da imprensa. O jornal Mequetrefe4, de julho de 1887, publicava uma charge em que D. Isabel agia como estadista ao mesmo tempo em que cuidava dos assuntos domésticos, dando a entender que a Regente não percebia – ou não queria perceber – a trama política ao seu redor, o que colocava em dúvida sua capacidade de governança. E mais, sutilmente o jornal questionava a presença de mulheres em assuntos de âmbito público, algo bastante comum para a época.
A Princesa Imperial sofria constantes ataques de parte da imprensa, que a via como submissa ao seu marido, conhecido pejorativamente como “o francês”. De forma inclemente, o jornal O Pharol afirmava que “ela faz o que o marido quer e não o que é desejo do povo; faz mais – afronta os interesses do povo para afagar os desejos do marido”5. As ácidas palavras do texto buscam enfatizar a questão da submissão do gênero feminino. Não se faz alusão clara a questões políticas, econômicas ou sociais. Busca o artigo desqualificar D. Isabel a partir de sua “frágil condição feminina”. Na mesma linha, o jornal Gazeta Nacional6 transformou-se num dos maiores críticos da monarquia e de sua possível futura Imperatriz. Em artigo datado de 04 de dezembro de 1887, volta a destacar a fragilidade feminina e a religiosidade extremada de D. Isabel.
Neste contexto, a Princesa consegue converter em monarquista José do Patrocínio, republicano de destaque na Corte, que, empolgado com as significativas ações da Regente na causa abolicionista, derramava-se em elogios à herdeira, rememorando todo o tempo que “a santa, a meiga Mãe dos cativos, dava à propaganda abolicionista tudo o quanto podia: as abundâncias de piedade do seu coração. Seus filhos, os pequenos príncipes, nos seus jornalzinhos, glorificam a propaganda abolicionista”7. Patrocínio é um dos responsáveis pela popularização de D. Isabel como Redentora dos escravos, e a Revista Illustrada, de maio de 1888, coloca-o aos seus pés, num misto de adoração e submissão, que traduzia-se no apoio ao Terceiro Reinado. A Princesa irradia a luz da liberdade.
Em outra publicação, de 28 de julho de l888, A Revista Illustrada apresenta o retrato da Redentora posicionado numa espécie de altar, pronto a ser cultuado. Uma família de negros livres, bem vestidos e calçados, presta homenagem, num simbolismo que pode ser interpretado como de agradecimento ou, até mesmo, devoção religiosa.. Outros negros aguardam na fila. Todos carregam flores, provavelmente camélias, que simbolizaram a luta contra a escravidão. O desenho alude ao aniversário de D. Isabel, no dia 29 de julho, dando a entender que, mesmo antes da obtenção definitiva de sua liberdade, os negros reconheciam a contribuição da excelsa Princesa à causa libertadora.
Enfim, fato é que os libertos festejavam a “Redentora”. As tradições africanas de realeza contribuíram muito para o feito, pois embasavam aqui o respeito a reis e rainhas existentes no continente negro, legitimando culturamente um possível Terceiro Reinado, sob as bençãos de D. Isabel. Para os cativos, ela seria vista como eterna Soberana, pois soube enfrentar os diversos obstáculos que postergavam a abolição da escravidão. Ainda no mundo escravagista, ajudava quilombos, escravos fugitivos, estimulava jornais antiescravistas…. cervava-se de pessoas de almas livres. Se foi ou não Imperatriz, vai depender do referencial. Mas, como dizia o velho Aires, no romance Machadiano, “toda alma livre é imperatriz”8.
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