Roma x França

Roma x França

Atualidades / Por Rodrigo Pavan em 14 de julho de 2020

Sempre que analisamos a História de Roma, partimos da própria cidade, capital, hoje, da Itália. Mas sabemos que Roma não ficou restrita aos muros Servianos, ou mesmo aos muros Aurelianos que circundavam (e circundam!) a cidade das Sete Colinas. Durante a fase conhecida como República, Roma se expandiu. Após a expulsão do último rei etrusco, Tarquínio o Soberbo, o Senado romano tomou o poder e a partir daí Roma iniciou seu projeto de conquista. Qual o motivo? Alguns historiadores defendem a ideia de que Roma atacou como uma forma de defesa. Talvez. Mas se começarmos a pensar nesta teoria, alguns momentos poderemos atestá-lo. Como foi o caso contra os gauleses.

Logo no início da República, Roma foi atacada por gauleses liderados por Breno (imagem abaixo). No início da República romana, o território de Roma era apenas a parte central do Lácio, ao norte, etruscos, sabinos, e os gauleses cisalpinos (ou seja, antes dos Alpes).

Breno-líder-do-exército-gaules
https://en.wikipedia.org/wiki/Brennus_(4th_century_BC)

De acordo com o Historiador Lívio, Roma foi saqueada pelos gauleses em 18 de julho, que correspondia a data das calendas de agosto em 390 a.C., após a derrota romana na Batalha do Ália. (próximo ao Rio Ália que desemboca no Tibre).

gauleses-chegando-em-Roma
https://fr.wikipedia.org/wiki/Oies_du_Capitole

E foi então que a partir desse saque, Roma começou a desconfiar dos gauleses, e assim, vistos como potenciais inimigos do povo romano. O Saque de Roma nunca foi, de fato, esquecido pelos romanos. 

Breno-e-sua-parte-do-saque
https://en.wikipedia.org/wiki/Brennus_(4th_century_BC)

Mas o combate mais clássico entre Romanos e os habitantes da Gália, se dá quase no final da República romana.

O Cônsul Gaius Iulius Caesar, por meio de sua obra, “Commentarii de Bello Gallico” – Comentário sobre a Guerra da Gália, nos conta como foi efetuada a conquista de toda a Gália, a qual ele, no início da obra, cita como era a Gália: “ Gallia est omnis divisa in partes três”, ou “ A Gália está toda dividia em três partes”. As três partes eram habitadas uma pelos belgas, outras pelos aquitanos e a terceira parte pelos gauleses que em sua própria língua eram denominados Celtas. Esses povos diferenciavam entre si pela língua costumes e leis. E é neste momento que iremos encontrar a forte presença romana na História da França. 

Começaremos pela capital francesa Paris.

A Batalha pela conquista da futura capital, que naquele contexto era apenas uma cidade, ou optium, como os romanos denominavam localizada numa ilha, a futura Île de la Cité, se dá entre os exércitos de Camulogeno, líder dos gauleses e de Labieno, general romano mandado por César para conquistar a cidade dos Parisii (tribo gaulesa que habitava o local). Após enfrentamento sem o atrito entre eles, e com Camulogeno lançando fogo às pontes que ligavam as margens à ilha. Ao final, provavelmente no atual Campo de Marte, os dois exércitos se enfrentam com a vitória romana.

Talvez, Eiffel coloca sua famosa torre como um obelisco em homenagem aos últimos parisii que lutaram para a defesa de sua cidade. 

Torre-Eiffel
Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan

A partir daí, a cidade se transforma em uma vila romana, com o nome de Lutécia. Seu nome talvez derive se do nome latim de lama “lutum, luti” por causa das cheias do Rio Sena que a produzia. O sistema de ruas seguiu as construções clássicas romanas, ou seja, o formato de grelha. Uma das principais vias da época romana, ainda se encontra em Paris, a Rua Saint-Jacques segue o mesmo traçado antigo. Nesta rua, na margem esquerda encontrava-se o Fórum romano e também as termas romanas, as quais você ainda pode visitá-las e de quebra conhecer o Museu Nacional da Idade Média, localizado no mesmo lugar das antigas construções romanas. Descendo esta rua, passando pela Sorbonne, chegamos a Petit Pont, que data da época dos romanos, claro mais atualizada! 

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Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan
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Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan

Entramos na Île de la Cité e logo de cara à sua direita você verá a belíssima Catedral de Notre-Dame, que foi construída sobre um antigo templo da deusa Vênus. Aliás, na praça logo a frente a Catedral, encontra-se um museu especial. Fica sob a praça e é chamado de Cripta Arqueológica da Ilha de la Cité. Neste museu encontram-se as ruínas romanas. Um belo lugar para se ter a noção que Roma havia chegado ali.

cripta-arqueológica-de-Paris
Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan
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Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan

Aqui gostaria de falar sobre quando eu percebi o poderio de Roma. Não foi na França, mas atravessando o Canal da Mancha. Quando visitei Londres pela primeira vez, fui, claro, conhecer o Castelo onde diversos reis ingleses viveram, dentre eles, Henrique VIII, Elizabeth I. A chamada “Torre de Londres”. Ali fotam decapitados Ana Bolena e William Wallace dentre outros “inimigos da corte inglesa”. Mas quando saímos do metrô, pela estação “Tower Hill” à sua esquerda você se depara a um muro, que claramente percebe-se o quão antigo é. Ao pé deste muro, uma estátua do Imperador Trajano. Este é o muro de Londinium, a Londres romana. Ali eu falei: “Esses caras chegaram aqui!”

Muro-de-Londinium
Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan
imperador-Trajano
Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan

Bom, mas atravessemos o Canal da Mancha novamente em direção a Paris. 

Na mesma margem esquerda, encontramos mais uma construção romana. Redescoberta no século XIX, devido às obras de urbanização de Paris realizadas pelo Barão de Haussmann, a Arena de Lutécia é outro grande exemplo da cultura romana: a política do pão e circo! Hoje, uma praça pública, você ainda encontra a arena com as arquibancadas originais e os portões que antigamente eram os abrigos dos gladiadores, cristãos e animais que era usados para o deleite da elite de Lutécia. 

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Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan
Arena-de-Lutécia
Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan

Outro ponto que nos remete ao período romano é onde fica localizada a Igreja de Sacre-Coeur. Esta igreja fica localizada no bairro chamado Montmartre. O antigo bairro boêmio parisiense do século XIX, local dos grandes pintores como Toulouse-Lautrec que frequentavam no mesmo bairro o Moulin Rouge, recebe este nome graças aos romanos. À época deles, o local denominava-se “Monte de Marte” em referência ao deus da guerra romano. E, uma outra possibilidade do nome, deve-se ao martírio dos condenados à morte neste local.

Sacre-Coeur-no-alto-do-Montmatre
Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan

Um deles, Saint Denis, conta a lenda, que após ser condenado por pregar uma religião diferente da dos romanos, ou seja o Cristianismo, foi condenado à morte e decapitado neste local. Mas o milagre cristão acontece. O corpo de Saint-Denis recolhe sua cabeça e caminha pelas ruas de Lutécia até chegar num local onde será erguida a Bas~ília de Saint Denis, primeiro por Santa Genoveva, e depois uma outra basílica mais grandiosa, com seus aspectos góticos será construída na Idade Média e hoje, abriga os túmulos de diversos reis franceses. 

Podemos ficar falando da Paris romana por muito tempo, mas há tantas referências romanas na França que não podemos ficar somente na capital. Vamos mais para o sul.

A cidade? Alesia Sainte Reine.
Ainda seguindo os passos de César, esta cidade está localizada logo abaixo do antigo “optium” gaulês Alesia. Aqui, ocorreu a última batalha entre romanos e gauleses. Aqui, César conquistou a Gália após um cerco em que derrotou seu adversário Vercingetorix.

cerca_de_Alesia
https://www.learning-history.com/ancient-roman-wars-battle-alesia-gauls/

O cerco é memorável e até hoje estudado nas escolas de guerra mundo afora. Memorável pois os romanos estavam em número inferior: 60 mil homens contra 80 mil homens dentro da cidade e entre 120 mil a 250 mil aliados gauleses que chegariam como reforço do comandante gaulês. Sabendo disso, César constróis duas muralhas: uma que os protegia do ataque vindo da cidade e outro, protegendo do ataque dos aliados.

A batalha de Alésia se dá nesses dois campos e César consegue impedir o contato entre os dois exércitos gauleses. Ao final, após Vercingetorix tentar ludibriar os romanos oferecendo as mulheres e crianças como escravos, e, sendo recusados por César, deixando-os morrerem de fome e frio, o líder gaulês não tem outra alternativa e entrega suas armas ao Cônsul romano.

Vercingetorix será morto no triunfo de César anos depois quando este torna-se Cônsul único em Roma. Hoje, você ainda encontra os vestígios da vila galo-romana de Alesia, assim como uma grande estátua do líder gaulês. Vale a pena a visita ao museu da cidade que reconstrói o forte gaulês. 

basílica_civil_de_Alésia
https://www.geo.fr/histoire/alesia-un-pompei-gaulois-197108
Vercingetórix-memorial
Arquivo pessoal de Rodrigo Pavan

Outra cidade que vale a pena visitar na França é a cidade de Nimes onde encontra-se um anfiteatro quase perfeitamente preservado. Strasburgo, capital da região da Alsácia, tantas vezes disputadas no século XX por franceses e alemães também tem ligação com um passado romano. A cidade atual é fundada a partir de um forte romano que vigiava as fronteiras romanas contra as invasões dos germânicos.

Arena-de-Nimes
https://pt.wikipedia.org/wiki/Arena_de_Nimes
Arena-Nimes-por-dentro
https://pt.wikipedia.org/wiki/Arena_de_Nimes

Para finalizar, uma das fortes influências dos romanos com os franceses se dá na língua. Sim, o Latim! Durante o período em que Roma conquistou a Gália, o latim era utilizado e após a queda do Império e o surgimento da Idade Média, o latim ficou como a língua da diplomacia, da religião. Falar latim era glamour. Roma era glamour! Afinal, quem não queria ser Imperador de Roma? Mesmo na decadência! Por que não? A língua francesa e o latim são aqueles irmãos quase gêmeos! São duas línguas que possuem muitas similaridades. Veja a palavra coração: coeur. É latina e francesa. O verbo “ser”: être em francês e “estre” em latim. Usamos essas duas palavras em nosso texto: a Igreja de Sacre-Coeur e no início quando citamos César: “Gallia est omnis divisa in partes três”. 

Se buscarmos mais influências romanas na França, com certeza iremos encontrar mais. Hoje, os franceses são descendentes de três povos: primeiro, os gauleses, depois os francos, que habitarão a área após a queda do terceiro povo que compõe a cultura francesa: os romanos.

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