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Nelson Rodrigues – “o tarado” mal interpretado!

NELSON RODRIGUES – “O
TARADO” MAL INTERPRETADO!

Texto Por Fernando Medeiros em 22 de julho de 2020

Nelson Rodrigues , 1981 , Carlos Moskovics
Registro fotográfico Carlos Moskovics

Nelson Rodrigues começou pra mim de duas maneiras. Primeiro minha mãe horrorizada e dizendo, com sua ênfase exagerada peculiar e hereditária: Esse homem é um podre! E depois, eu ainda adolescente pude assistir no Fantástico, da Globo, aos episódios inspirados nos mais interessantes contos de A Vida Como Ela É

Confesso que o fato de minha mãe dizer sobre ele – podre! – me instigou a curiosidade. Queria ver como e por que ele era assim podre! Hoje, muito longe da adolescência, momento em que o conheci, digo que Nelson Rodrigues, na minha humilde opinião, é um gigante da língua portuguesa. Um avatar contra as hipocrisias morais e sociais. Um paladino da moral. Um anjo pornográfico no dizer dele próprio. Genial e profícuo escritor, dono de um estilo literário peculiar. Um tarado, depravado, podre sim mas, indiscutivelmente, certeiro porque, se na sua família, caro leitor, não há nenhum dos exemplos da galeria rodrigueana de personagens (Claro que não! Na sua família? Nunca!), certamente você conhece alguém na sua rua, no seu prédio, no seu trabalho (de nome no diminutivo Ferreirinha, Glorinha, Dorinha, Otavinho) que se comporta como um típico personagem de seu elenco superior! Ou é, homem ou mulher, uma fofoqueira, invejoso, religiosa rezadeira e ao mesmo tempo mentirosa, tarado que passa a vida posando de bom moço. É Nelson Rodrigues um gênio incompreendido. E mais, muito mais!

Nelson Rodrigues é, antes de tudo e para começar, um exímio observador da alma humana no que ela tem, a um só tempo, de mais secreto e evidente: a hipocrisia!

Mas, antes disso de hipocrisia, a vida de Nelson Rodrigues é típica do teatro de Nelson Rodrigues! Uma tragédia.

Ainda no começo da faculdade, naquelas disciplinas de Teoria Literária, tive uma aula em que discutíamos um crítico francês, se não me engano Dominique Maingueneau, que, grosso modo, defendia ardentemente que uma obra de arte literária é imanente aos detalhes mínimos da vida de um homem que por acaso é o escritor, ou seja, a obra de arte literária é independente de quem a escreve. Outros vão contra também porque, se sabe, as ciências humanas são muitas vezes dependentes do ponto de vista. Tanto melhor, já que, ao ler e estudar Nelson Rodrigues, não há como separar de sua obra sua vida, assim como não se precise saber de sua vida para saber de sua obra. Ela é imanente a isso, sem dúvida. Mas também fornece a quem a lê detalhes impressionantes ou, no mínimo, elucidativos de sua história.

Seu avô, homem rico, morreu de doença misteriosa na Europa. Sua avó, ainda grávida, volta ao Recife, de onde sua família é originária. No parto, ela morre. Os filhos, um deles Mário, o pai do futuro Nelson, ficam tutelados com um médico da família, o qual, segundo parece, apropriou-se indevidamente do dinheiro deles. Isto obriga os meninos a cedo trabalharem. Mário trabalha escrevendo, de jornalista, num Recife ao redor de 1912, momento em que não era nada pacífico, dadas as querelas políticas locais acerca do poder na capital do nordeste canavieiro e por todo o estado de Pernambuco. 

Mário casa-se com menina, dona Esther, de família protestante fervorosa, convertendo-se à sua religião. O que, também segundo parece, conversão de situação, tão somente para o casamento desejado. Mário tem problemas financeiros, mas dona Esther quer 12 filhos. Ela, firme, praticamente o obriga a deixar o Recife e ir ao Rio. Ele vai, mas volta ao Recife. Ela o obriga de novo, e ele vai ao Rio. Ela, ainda no Recife, vende tudo e segue com a então parte da prole para o Rio, aonde chega bem na hora em que o marido Mário está desempregado.

São acolhidos no Rio, em 1916, na casa de Olegário Mariano, o Poeta das Cigarras. Mas logo Mário Rodrigues, gago e cego de ciúmes, se arruma com a família, conseguindo emprego de jornalista no Rio, no jornal Correio da Manhã, quando se muda com sua família para uma casa de subúrbio no Rio de Janeiro.

A este ponto que queria chegar: ao subúrbio. Onde estão as maiores inspirações de Nelson para sua obra se não nos subúrbios? Os tipos representados por ele, com exceção feita aos seus folhetins (e ainda assim falo considerando tão somente Meu Destino é Pecar e em Asfalto Selvagem, porque são os únicos dois folhetins lidos por mim – até agora!), são em sua maioria suburbanos.

Foi neste subúrbio no Rio, precisamente na Aldeia Campista, Rua Alegre, em que Nelson, com seus 7 anos, viu o mundo. Um mundo, como diz seu biógrafo Ruy Castro, de vizinhas gordas e com brotoejas, às janelas observando tudo e todos, casadas com maridos magros e asmáticos, quando não tuberculosos, a tossir em uníssono. Nas casas suburbanas por que passou havia sempre a nojenta escarradeira, o banho era de bacia, os velórios eram em casa – os quais eram assiduamente frequentados pelas senhoras, mas para observarem o real sofrimento da viúva (este, um indício da hipocrisia) e não, de fato, velar o morto.

Nelson, porque criançola ainda, aos 4 anos, já estava de beijos, ou tentativa de, com uma garotinha de 3, foi logo, desde cedo, sendo taxado de tarado e entende, aí, que algumas coisas lhe eram proibidas. Em seguida, vai à escola, onde era hostilizado pela sua cabeça grande e por já ter pelos nas pernas aos 7 anos. Por essa época escreve uma redação que já traz o embrião das tragédias que serão sua obsessão. Tal texto, que começa, inspirado no verso do poema As Pombas de Raimundo Correia, com “A madrugada raiava sanguínea e fresca”, horrorizou os professores e diretores porque se tratava, ora essa, sobre o quê? De traição e assassinato. Aos 7 anos.

Nesta casa, no sótão, eles acham um diário perdido e esquecido de uma adolescente, ex-moradora dali. E também por essa época, morreu uma jovem vizinha deles, que se chamava Alaíde. Quem leu Vestido de Noiva sabe a importância e a influência que teve este diário encontrado em sua casa em sua meninice. E quem leu essa mesma obra sabe quem é Alaíde (a grande Alaíde) no contexto rodrigueano. 

Por essa época, também, lê Dostoievsky. Lê Victor Hugo, Zola, Camilo Castelo Branco, Machado, Eça, e o recém-falecido Augusto do Anjos. Este, ele declamava aos berros às suas paqueras, correndo atrás dos carros delas, querendo impressioná-las. Impressionar um amor adolescente com Augusto dos Anjos?! Bom, gosto é gosto…

Ao ler sua biografia já citada, de Ruy Castro, observei seu tempo e suas atitudes, refletindo (o que as leituras, quaisquer que sejam, devem fazer), sobre o biografado inserido em tal contexto. Nelson Rodrigues e seus irmãos, seu pai também –em certa medida–, eram resultantes do pensamento modernista –ou concomitantes a ele. Digo: eles eram extremamente bem adaptados às ideias e ao comportamento moderno de sua época. Eles inovavam não só no comportar-se, mas também, por exemplo, no aspecto gráfico do jornal da família. O traço das caricaturas de Roberto Rodrigues, amigo de Cândido Portinari, ambos estudantes na Escola de Belas Artes do Rio, era revolucionário. Os dois, ainda na Escola de Belas Artes, para driblar o pensamento academicista de seus professores, ao apresentarem seus trabalhos voltavam às técnicas tradicionais, enquanto o trabalho autoral, o verdadeiro, de ambos era de choque e de crítica contra a academia. Nelson não era diferente. Seu estilo, observado em sua redação, com a pontuação peculiar e seu metralhar de argumentos e ideias, também o provam. Suas peças de teatro estouram principalmente a partir de Vestido de Noiva, de 1943, o qual, pela quebra da narrativa linear e pela construção e caracterização de seus personagens, antes de genial, é resultado claro do tempo em que viveu: o Modernista. As reivindicações de 1922 estão todas nesse trabalho!

Tal tempo modernista se vê quando, no Rio de Janeiro, a convivência dos Rodrigues, não só nos tempos de sua chegada à cidade como ao longo da vida deles, era com gente da melhor qualidade: Cândido Portinari, Nássara, Gilka Machado, Olegário Mariano, Manuel Bandeira, Monteiro Lobato, Orestes Barbosa, Donga, Lamartine Babo, Ronald de Carvalho, Medeiros e Albuquerque, Di Cavalcanti, João Cabral de Melo Neto, José Lins do Rego, Sergio Milliet, Gylberto Freire, Millôr, dom Jaime de Barros Camara, dom Helder, Ary Barroso, Danusa Leão, Ataulfo Alves, Silvio Caldas, Heitor dos Prazeres, Paulo Mendes Campos, Dercy Gonçalves e, é claro, Zienbinski, e toda a turma em torno de suas primeiras peças, como Décio de Almeida Prado, Otto Maria Carpeuax, Fernanda Montenegro, Fernando Torres e mais adiante Augusto Boal.

E o contexto social e político, cultural principalmente, também não eram indiferentes a tudo isso: Epitácio Pessoa, Nilo Peçanha, Arthur Bernardes, Afonso Pena, Pandiá Calógeras, Alceu Amoroso Lima, Getúlio Vargas, Simões Lopes, Washington Luís, Carlos Lacerda e seu pai Maurício de Lacerda, os Matarazzo, Roberto Marinho, Oswald de Andrade, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Procópio Ferreira, Dulcina de Moraes e muitos outros.

Nem todos grandes amigos, alguns desafetos, outros amigos e depois desafetos; outros desafetos e depois amigos, mas todos grandes nomes em convívio num mesmo tempo e num mesmo espaço fervilhante! (Além deles, também todo o universo esportivo e futebolístico de seu tempo, com seus figurões e grandes atletas, os quais este que vos fala não saberá enumerar um sequer por ser este universo muito distante e desinteressante para ele…!)

Quando o pai de Nelson, Mário Rodrigues, se estabelece como jornalista e proprietário do matinal carioca A Manhã, o jovem Nelson e seus irmãos convencem o pai a trabalharem com ele. Roberto, o seu irmão bonitão, era desenhista e artista plástico, como já dito, ficando assim responsável pela arte, desenhos e caricaturas do periódico. Nelson, então aos 13 anos, ganha a coluna que também mais tarde lhe serviu de inspirações literárias e folhetinescas porque ele noticiava casos de juras adolescentes de amor eterno ao luar, que normalmente acabavam em tragédia. E, além de noticiá-las, Nelson também aumenta, melhora, faz suspense, cria e recria detalhes para “interessar” mais os leitores. Os leitores de hoje de Nelson, ao lerem rapidamente e por exemplos rápidos, Asfalto Selvagem Álbum de Família, percebem a relação direta de sua obra e o convívio com esse tipo de matéria e assunto.

A Manhã ia se estabelecendo como jornal de situação e a influência, a fama, a importância, não só do jornal como também dos Rodrigues ia crescendo em igual proporção. Era um jornal de grande penetração e muita aceitação por parte da sociedade leitora. A Manhã se converte em Crítica, jornal do mesmo Mário Rodrigues, e, um dia, um dos detalhes impressionantes da vida de Nelson: acontece o assassinato de seu irmão Roberto na redação do jornal da família.

O Rio descobre a traição de uma mulher, Sylvia Thibau, que traía o marido com seu médico. O jornal de Mário Rodrigues vai publicar o escândalo! Porém, antes da publicação, seus repórteres telefonam para Sylvia, para que ela concedesse uma entrevista de esclarecimentos. Ela diz que não fala ao telefone, mas que vai à redação de Crítica tal dia e hora. Antes, ela passa na redação de outro jornal, O Jornal, do qual era colaboradora, e também na redação de Diário da Noite, dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, para que jornalistas seus amigos tentassem e conseguissem bloquear a matéria dos Rodrigues. Mas não conseguiram, de maneira que ela pessoalmente se dirige à redação de Crítica. Pede-lhes que a matéria seja suspensa, mas àquela hora, nada mais poderia ser feito, já que o jornal já estava fechado e na gráfica, pronto para ser copiado e distribuído. Ela ainda fala com mais um funcionário de Crítica, o desenhista e caricaturista, Roberto, quem não lhe garante nada, dada a hora, mas que também tenta acalmá-la, dizendo-lhe que ela seria tratada com atenção e consideração e tal. Além do mais, era ele só o desenhista, não tinha nada com a matéria!

No dia seguinte, sai o jornal, com tal escândalo na manchete. A senhora, friamente premeditada, depois de ler tudo, leva os filhos à escola, no caminho compra uma calibre 22, entra na redação de Crítica procurando por Mário Rodrigues, que não estava. Pergunta também por Mário Rodrigues Filho, que também não estava. Vai conferir e encontra, então, Roberto em quem atira uma só vez e acerta o abdômen do desenhista. Quando a desarmam, ela ainda diz que queria matar o senhor Mário ou o seu filho, mas que “estava satisfeita”. Nelson assiste à cena e a família entra em crise por motivos óbvios; entra também em processos judiciais, julgamentos, etc., contra Sylvia Thibau. Roberto é velado e a todos que entram seu pai lhes grita (mórbido), agarrando-os pelo braço: Esse tiro era para mim! Esse tiro era para mim! E, indo ao caixão e olhando o corpo do filho, dizia: Eu vou te vingar! Eu vou te vingar!

Tempos depois, Sylvia era julgada e inocentada. Os Rodrigues em seguida perdem o pai Mário de trombose cerebral. Era 1930 e os augúrios políticos no Brasil agora sopravam contra a República do Café com Leite, regime defendido pela Crítica. Ou seja: com o pai morto, a política do país agora liderada por Vargas, inimigo dos Rodrigues, então o jornal fecha empastelado, entre tragédias, mortes e a Revolução de 30. A família de Nelson Rodrigues então enfrenta a penúria e a tuberculose, sem dinheiro e praticamente sem comida praquele tanto de gente.

Nelson contrai tuberculose várias vezes, seus irmãos e ele também, amargam penúria, quase fome. Mas apesar das intempéries, de sérios e grandes pesares, eles se refazem. Devagar, mal e com muitas dificuldades se refazem. Mário Rodrigues Filho monta e abre seu jornal. É este irmão de Nelson um grande jornalista e um grande homem da sociedade carioca, já que, dada sua vontade de vencer e seu talento indiscutíveis, é de sua concepção e execução projetos e eventos que hoje representam não só o Rio como o Brasil. É de sua autoria a ideia de os times cariocas competirem entre si. Tal evento esportivo, muitas e tantas vezes patrocinado exclusivamente por ele, resultaram no Campeonato Carioca e no Campeonato Brasileiro, o que hoje, embora o autor deste texto não saiba falar certo e direito, sabe porém que são eventos de grande apelo social no Brasil. Este seu projeto impulsiona, mesmo tendo como figura central contrária o peso de Carlos Lacerda, a construção do Maracanã, cujo nome é dado em sua homenagem: Estádio Mário Filho.

Refeitos os Rodrigues, Nelson sempre trabalhou em sua vida como jornalista e como jornalista era ele o grande incentivador e o maior publicitário de si mesmo. Ele próprio se defendia, às vezes assinando seu nome, às vezes pseudônimos, às vezes nem assinava. Mas escreveu muito em sua defesa e explicando o que produzia para o entediante teatro de seu tempo. E precisava fazer porque os de seu tempo, já em seu tempo, viravam-lhe a cara, torciam-lhe o nariz, discriminando-o ou hostilizando-o mesmo. Seu teatro era então um absurdo.

Mas por que era um absurdo? Ou ainda: Por que é um absurdo? Será porque ele descreve o comportamento moral da sociedade brasileira? Um comportamento hipócrita, um comportamento que, por ser comportamento, é algo praticamente coletivo e usual, mas que acontece por baixo dos panos e, como nossa cultura só permite por baixo dos panos e não às claras, quando alguém a descortina é ele um tarado? Um tarado obsessivo porque tão somente mostra e aponta a ferida moral social?

É claro, nosso mestre exagera. Mas ele está fazendo palco. O exagero é um artifício, é uma estratégia teatral e dramática, mas o que não retira a força de uma crítica social contundente. É claro que não vemos, na “vida real” alguém se automutilar, cortando-lhe seu órgão genital em protesto a um segredo guardado e escondido por anos e só revelado tarde demais. É claro que não vemos nem veremos a competição entre duas irmãs, odiando-se uma e outra mortalmente, pela posse do amor de um mesmo homem. É claro que não vemos mulheres casadas, donas de casa, afetuosas para com seus filhos e maridos, que saem à tarde para o encontro, casual e proibido, com outro homem, também casado e, àquela hora e dia, matando um dia de serviço. Claro que não vemos maridos, honestos e honrosos de seus deveres domésticos e sociais, saírem madrugada afora em busca de uma aventurazinha qualquer. Será? Claro que não, ora essa!

Mas se tudo isso é evidente e salta aos olhos, recheia programas vulgares de TV e de rádio e até novelas campeãs de audiência, recheia a vida ociosa de velhas hipócritas e mexeriqueiras de janela e de banquinhos de praça, por que não levar tais temas aos palcos? À literatura? Por que não? E, se sim, levando ao palco, por que quem os escreve (para usar os apelidos de sempre) é o obsessivo e o tarado? Só ele? E por que não seria ele apenas o que ele era e queria ser: o crítico dessa falsa moral? Ou, ainda, um dos, senão o maior dramaturgo da Língua Portuguesa, não só pela coragem de fazê-lo, pela atitude modernista, mas pelo óbvio e evidente estilo literário de grande qualidade?!

Assim, é como acerta o crítico Luiz Arthur Nunes: Suas histórias lidam sempre com situações extremas e ações extraordinárias. Os personagens, seus agentes, são, portanto, necessariamente criaturas excepcionais, movidas por forças obscuras e avassaladoras, incapazes de comedimento ou concessão – mas pessoas corriqueiras e cotidianas.

Com tudo isso e por tudo isso, nosso mestre amargou ostracismo. Buscou construir uma obra ousada e modernista, mas seu tempo conduziu a ele próprio e aos caminhos da dramaturgia nacional para outros lados, outras intenções, outro panorama. 

No fim dos anos 60, aparece Plínio Marcos e, durante os anos 70 (quando o país mergulhou no processo ditatorial radical), toda uma geração de autores mostrou sua rebeldia e revolução em obras contrárias ao reacionarismo da época. Adiante, Plínio Marcos surge e inaugura o diálogo com as plateias jovens – em 1967 ele leva à cena Dois Perdidos Numa Noite Suja. Além disso é deles, Leilah Assumpção (Fala Baixo Senão Eu Grito), Consuelo de Castro (À Flor da Pele), Antônio Bivar (Cordélia Brasil), Mário Prata, José Vicente de Paula e outros, dentre os quais até O Rei da Vela (1937, encenado em 1967) vem para sintetizar o progressismo ideológico demandado pela época que já não era mais a de Nelson…

Observo ainda que, nas décadas posteriores, foi o cinema que abraçou a obra rodrigueana. Porém, encenada e levada às telas pela denominada chanchada e logo pela pornochanchada, sua obra foi mal interpretada e mal aproveitada, relegando-lhe sempre o título de tarado, obsessivo, depravado, desviado e tal. É, por isso, como disse e digo a partir do título deste texto, um anjo/autor mal interpretado. Fizeram de sua obra aquilo que viram nela, o que quiseram enxergar nela, sem se ocuparem ou sem entenderem a real intenção e o real objetivo do autor Nelson Rodrigues.

Foi Manuel Bandeira, sendo contemporâneo de Nelson Rodrigues, ainda lendo os originais (baita privilégio!) de Vestido de Noiva, naquele longínquo 1943, quem disse: Bom teatro é o que sacode o público. Nelson Rodrigues sacode-o, e tem força nos pulsos. […] Nelson Rodrigues é poeta. Talvez [Nelson] não faça, nem possa fazer versos. Eu sei fazê-los. O que me dana é não ter como ele esse dom divino de dar vida às criaturas da minha imaginação. Vestido de Noiva em outro meio consagraria um autor. Que será aqui? Se for bem escrita, consagrará… o público.

É só.

BIBLIOGRAFIA:

Revista Bravo! Junho de 2000 – Edição número 33 – Nelson Rodrigues. 

CASTRO, Ruy. O Anjo Pornográfico. São Paulo: Cia das Letras, 19922.

MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. 5a. ed. São Paulo: Global, 2001.

MAGALDI, Sábato. Teatro da Obsessão: Nelson Rodrigues. São Paulo: Global, 2004.

RODRIGUES, Nelson. Teatro Completo. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.

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