Vacina

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Entrevista por Helena Alves em 20/10/2020

Em meio às discussões sobre vacinas, em voga por causa da corrida pela imunização contra o Coronavírus, a Folha Única conversou com o professor de Biologia do Único Caio Kazuo para esclarecer alguns conceitos, explicar como funciona uma vacina e também evidenciar as dificuldades para produzi-la, além de outras questões interessantes sobre o tema.

Folha Única: Como funciona uma vacina? 

Caio Kazuo: Uma vacina funciona, basicamente, estimulando nosso sistema imunológico a criar uma memória imunológica contra um antígeno específico, que geralmente é o conteúdo da própria vacina. Isso se dá porque a vacina mimetiza uma infecção real, mas, como os antígenos estão isolados ou presentes em vírus e bactérias atenuados, não há a progressão sintomática observada na doença. Como resposta aos antígenos, nosso corpo iniciará a produção de anticorpos e de células de memória, que guardarão as informações para a produção de mais desses anticorpos e serão ativadas durante o próximo contato do nosso corpo com esse antígeno (como numa infecção real, por exemplo).

FU: Como é feita uma vacina?  

K: Uma vacina pode ser feita de diversas formas. Podemos criar uma vacina com antígenos isolados, ou seja, somente com a proteína que será reconhecida pelo nosso sistema imunológico, e não o agente patogênico inteiro. Nesses casos, geralmente é necessário uma ou mais doses de reforço para maior eficiência. Uma outra possibilidade é produzir vacinas com bactérias ou vírus mortos ou atenuados, ou seja, incapazes de iniciar uma doença em nosso corpo. Nesse caso estão, de maneira geral, as vacinas mais eficientes em gerar resposta, porém não é sempre que esse processo de atenuação dos organismos é eficiente, e, por isso, optamos, às vezes, pela primeira opção. Há ainda uma terceira possibilidade, que são as vacinas contendo material genético do organismo infectante. Nesse caso, será introduzido nas nossas células a informação genética necessária para produzir os antígenos do organismo patogênico, que serão liberados pelas nossas células e despertarão uma resposta imunológica como nas outras vacinas.

FU: Quais os obstáculos para se fazer uma vacina? 

K: Existem diversos obstáculos para se fazer uma vacina. No nosso caso específico, um deles é o investimento na ciência e nas universidades brasileiras. Sem maquinaria, reagentes e boa remuneração para os cientistas, as pesquisas andam de forma mais lenta e ineficiente, dificultando a elaboração de uma vacina eficiente. Outro obstáculo é o tempo; quando uma pandemia como a atual se inicia, temos poucas informações iniciais sobre o vírus para iniciar as pesquisas para o desenvolvimento de vacinas, portanto é necessário que antes conheçamos (geneticamente e fisiologicamente) a doença para produzir um método de prevenção eficiente. E por último, ainda relacionado ao tempo, podemos citar a própria metodologia científica que, visando gerar sempre respostas e produtos seguros, requer uma série de estudos, experimentos e testes clínicos que demandam muito tempo e esforço para que possamos produzir uma vacina eficiente e segura que possa ser produzida e aplicada em larga escala em todo mundo.

FU: Por que, no caso da Covid, a corrida é por uma vacina e não por uma “cura”?

K: Quando pensamos na vacina ao invés da cura, estamos pensando em prevenção ao invés de tratamento. Sabe aquela máxima: “antes prevenir que remediar”? Pois então, na medicina e na ciência ela também é válida. Pensar em uma cura apenas significa deixar a intervenção ser feita somente após as infecções, e, nesse caso, o tratamento pode não ser feito a tempo e perdemos vidas muitas no processo. Um outro fator é que a imunização não só evita que as pessoas morram, mas também evita que o vírus circule. Dessa forma, evitamos não só que as pessoas fiquem doentes, mas que também o vírus continue circulando em grande escala e possa, por exemplo, aumentar as chances de ele sofrer mutações que podem fazer com que a tal cura não seja tão eficiente assim. Além disso, podemos pensar na imunização da população, que protege, inclusive, populações que normalmente não têm acesso ao sistema de saúde ou não podem se vacinar, como indígenas, quilombolas e pessoas imunocomprometidas. Por último, podemos ainda pensar que a imunização é economicamente mais viável que o tratamento. Os custos com os medicamentos, diagnóstico e internação são muito maiores que os das vacinações, sem falar que, com a vacina, não estaremos ocupando leitos de pessoas com doenças que realmente não têm mecanismo de prevenção.

FU: O movimento antivacina pode se mostrar um obstáculo para a vacinação da covid no Brasil?

K: O movimento antivacina não só pode se mostrar um obstáculo como já é. Podemos pensar, por exemplo, no aumento do número de casos de sarampo recentemente, concomitante à expansão da ideologia de que a vacinação pode ser perigosa e não deve ser obrigatória. A existência de um movimento antivacina prejudica não só a própria pessoa que optou por não se imunizar, mas também atrapalha o processo de imunização coletiva que citei anteriormente, tão importante para aqueles que não podem de fato se imunizar. Junto com o movimento antivacina, vem ainda uma grande prática de negacionismo científico, que coloca em cheque a credibilidade de pesquisadores e divulgadores científicos e que, como estamos vendo recentemente, gera um impacto negativo de enorme proporção nas tentativas de contenção da pandemia e nas pesquisas para desenvolvermos prevenção e tratamento de diversas doenças.

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Helena Alves

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