Texto Jornalístico – Análise contextual Opinativo por Professor Rodrigo Pavan em 9 de março 2022
No início do ano de 2022, estourou um conflito entre Rússia, governada pelo Presidente Putin, e a Ucrânia. Mas, para entendermos os reais interesses na região, temos que voltar um pouco na História. Começaremos analisando a História da Rússia e um conflito no século XIX que, até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, era considerado a Grande Guerra entre nações até então. Este conflito foi a Guerra da Criméia (1853 –1856).
Depois de se libertar do domínio tártaro no final do século XV, o Grão-Principado de Moscou unificou as etnias eslavas da Rússia e tornou-se o Czarado da Rússia em 1547 e, depois, com a expansão territorial, o Império Russo em 1721. Essa expansão enfrentou rapidamente a influência otomana na Ucrânia e no Cáucaso. Entre 1550 e 1850, os dois impérios entraram em confronto nove vezes, e a Rússia, frequentemente, saiu vencedora. Assim, no final da Guerra Russo-Turca de 1768-1774, o Canato da Crimeia, até então vassalo do Império Otomano, passou para a esfera russa por meio do Tratado de Küçük Kaynarca, embora mantivesse uma independência formal.
Após esta guerra, além de ganhar passagem livre para seus navios mercantes pelos estreitos de Bósforo e Dardanelos, os russos receberam o direito de construir uma igreja ortodoxa em Constantinopla e, posteriormente, reivindicaram o direito de defender e intervir em nome das populações ortodoxas do Império. O Canato da Crimeia foi formalmente anexado em 1783 e a península foi anexada ao governo de Tauride. Em meados do século XIX, a Rússia controlava toda a borda norte do Mar Negro, da foz do Danúbio à Geórgia.
Para os russos, essa expansão para o sul também teve um caráter religioso. Considerando a Rússia a “Terceira Roma” (Constantinopla teria sido a “Segunda Roma” até 1453), o general Grigory Potemkin, um dos favoritos de Catarina II, defendeu o “projeto grego” da Czarina destinado a repelir o Império Otomano na Anatólia para restaurar um Império cristão Bizantino nos Balcãs com capital em Constantinopla, a fim de reunir todas as populações ortodoxas sob a liderança russa. Foi assim também no sul da atual Ucrânia, que, uma vez russa e denominada “Nova Rússia”, passou por um programa de colonização acompanhado pela criação de novas cidades como Sebastopol em 1783 e Odessa em 1794. Além disso, uma imigração cristã de origem ucraniana, russa, alemã, polonesa, búlgara e sérvia, além de outros vindos da Moldávia e Gagauz, foi encorajada para permitir o desenvolvimento desta região escassamente povoada. Esses novos ocupantes da região eram contrários aos tártaros muçulmanos que viviam na Crimeia, que, há muito, praticavam o comércio de escravos, estes eram obtidos durante as frequentes incursões contra aldeias cristãs, particularmente na estepe ucraniana. Em 1800, muçulmanos deixaram a região e, ao mesmo tempo, por colonos ortodoxos, chegavam, muitos dos quais vieram do Império Otomano.
A rápida expansão da Rússia no século XVII e a demonstração de seu poderio militar durante as guerras napoleônicas preocupavam as potências europeias. Em 1851, o escritor francês Jules Michelet escreveu que ela era “um gigante frio faminto cuja boca está sempre entreaberta em direção ao rico Ocidente. […] a Rússia é a cólera […] é o império da mentira”. Parecia prever a ideologia que seria estabelecida após 1917. Esta aversão à Rússia esteve particularmente presente no Reino Unido, onde os jornais se alarmaram com um possível ataque russo em direção à Índia, colônia mais próspera e rica do Império Britânico. Embora essa perspetiva fosse considerada fantasiosa pelos estrategistas britânicos, o controle das rotas comerciais que ligavam o continente à Inglaterra era de importância estratégica. Dessa forma, o Afeganistão e a Pérsia ficaram sob intensa pressão, no que mais tarde foi chamado de “Grande Jogo”. Mais a Oeste, o desenvolvimento de navios a vapor aumentou muito o comércio no Mar Vermelho e na Mesopotâmia, duas regiões controladas pelo Império Otomano. Os vários acordos da primeira metade do século XIX também abriram o mercado otomano ao comércio britânico. Assim, o Reino Unido estava preocupado com um possível acesso da marinha russa ao Mediterrâneo que ameaçaria a sua influência na região.
Por causa da autocracia de seu regime e sua adesão aos princípios contrarrevolucionários da Santa Aliança, a Rússia era odiada pelos liberais europeus. A insurreição polonesa de 1830 contra a Rússia atraiu a simpatia da Inglaterra, e a brutal repressão da revolta do general Ivan Paskevitch levou o “The Times” a convocar a guerra contra os “bárbaros moscovitas”. A mesma situação se repetiu durante a Primavera dos Povos de 1848. Após a derrubada da monarquia, em 1848, e no estabelecimento da Segunda República na França, alguns temiam um ataque russo para trazer a “ordem” de volta a Paris; o escritor Prosper Mérimée escreveu a um amigo que estava “aprendendo russo […] para falar com os cossacos nas Tulherias”.
Embora não tenham influenciado as lutas na França, os russos comprometeram- se a reprimir a Revolução Romena na Valáquia e na Moldávia, dois principados sob administração conjunta da Rússia e do Império Otomano. Sob a influência do Reino Unido, os otomanos consideraram negociar com os revolucionários e, assim, criar um estado romeno, mas abandonaram a ideia diante da forte oposição dos russos. Depois de ter esmagado as insurreições, a Rússia exigiu em ocupar militarmente esses territórios até 1851, e o sultão foi obrigado a aceitar tal imposição na Convenção de Balta-Liman. Aplicando os princípios contrarrevolucionários da Santa Aliança, o czar deu seu apoio ao Império da Áustria contra a Revolução Húngara em junho de 1849. A insurreição foi rapidamente esmagada, mas o sultão se recusou a entregar os refugiados húngaros do Império Otomano. A Áustria e a Rússia cortaram relações diplomáticas e, em resposta às demandas otomanas, os britânicos e franceses implantaram uma barreira militar na entrada do Estreito de Dardanelos. Essa reação levou o czar a buscar um compromisso para evitar um conflito, e ele cancelou seus pedidos de extradição. Porém, a situação conflituosa estava à beira de explodir.
Este conflito ocorreu entre os anos de 1853 e 1856 e opôs o Império Russo contra uma coalizão formada pelo Império Otomano, França, Reino Unido e Reino da Sardenha. Provocado pelo expansionismo russo e pelo medo de um colapso do Império Otomano, e ocorreu principalmente na Crimeia, ao redor da base naval de Sebastopol. Terminou com a derrota da Rússia, ratificada pelo Tratado de Paris de 1856.
No final do século XVII, o Império Otomano entrou em um período de declínio e suas instituições militares, políticas e econômicas não conseguiram se reformar. Durante vários conflitos, perdeu todos os seus territórios ao norte do Mar Negro, incluindo a Península da Criméia, para a Rússia, que também procurou minar a autoridade de Constantinopla reivindicando o direito de proteger a grande comunidade ortodoxa que vive nas províncias do Balcãs do Império Otomano. A França e o Reino Unido temiam que o Império Otomano se tornasse uma espécie de vassalo da Rússia, o que perturbaria o equilíbrio de poder na Europa.
As tensões foram aumentadas por disputas entre cristãos ocidentais e cristãos orientais sobre o controle de locais sagrados na Palestina. Os russos usaram esse pretexto para exigir importantes concessões dos otomanos, mas estes, apoiados pelas potências ocidentais, recusaram, e a guerra eclodiu no outono de 1853. Russos e otomanos entraram em confronto no Cáucaso e Dobruja, enquanto a recusa de São Petersburgo, capital russa da época, para evacuar os principados romenos da Valáquia e Moldávia sob a soberania otomana, provocou a entrada na guerra dos franceses e britânicos. Temendo a intervenção austríaca ao lado dos Aliados, o czar Nicolau I deixou os Balcãs no verão de 1854. Ansiosos para reduzir o poder militar russo na região para evitar que ele voltasse a ameaçar o Império Otomano, o imperador francês Napoleão III e o primeiro-ministro do Reino Unido, Lord Palmerston, decidiram atacar a base naval de Sebastopol, onde estav a a frota russa do Mar Negro.
Depois de desembarcar em Yevpatoria em 14 de setembro de 1854, as forças aliadas derrotaram os russos na Batalha de Alma e começaram a sitiar a cidade no início de outubro. Apesar de seu otimismo inicial, os aliados logo encontraram forte resistência dos defensores e a frente ficou coberta de trincheiras. O clima e as falhas da logística tornaram as condições de vida dos soldados de ambos os lados particularmente difíceis; o frio, a fome e as doenças fizeram dezenas de milhares de vítimas e mataram muito mais que os combates. Os russos fizeram várias tentativas de romper o cerco de Sebastopol, mas suas tentativas em Balaclava, Inkerman e Chernaya foram repelidas, enquanto os aliados conquistaram os redutos russos, mas ao custo de pesadas baixas. Finalmente, em 08 de setembro de 1855, a chegada de reforços e o esgotamento dos defensores permitiram aos franceses apoderar-se do Bastião de Malakoff, que dominava a cidade; os russos evacuaram Sebastopol no dia seguinte.
A luta continuou por alguns meses antes da assinatura do Tratado de Paris em 30 de março de 1856. Este último pôs fim ao “Concerto da Europa” resultante do Congresso de Viena em 1815 e consagrou o retorno da França aos assuntos europeus, graças também à habilidade do Ministro Tayllerand, mas não resolveu a questão oriental na origem do conflito. A Guerra da Criméia, às vezes, é considerada a primeira “guerra moderna” por causa do uso de novas tecnologias, como navios a vapor, ferrovias, armas raiada, telégrafo e fotografia.
Analisado o contexto histórico e compreendendo que os interesses russos na região sempre existiram, seja por razões econômicas ou religiosas, a anexação do Canato da Crimeia pelo Império Russo em 1783 só começou a ter uma população de maioria russa no século XX. Assim, a Crimeia tornou-se o “Coração do Romantismo Russo” e a região continuou a atrair a atenção sob o período obscuro da União Soviética.
A Crimeia tinha alguma autonomia dentro da URSS como República Socialista Soviética Autônoma da Crimeia entre 1921 e 1945, mas Joseph Stalin deportou os tártaros da Crimeia e aboliu esta autonomia. Devemos também lembrar do grande genocídio feito na Ucrânia pelos defensores do comunismo. O Holodomor de 1932-33 levou 9 milhões de vida, algo que supera, em muito, as vidas de judeus que Hitler ceifou.
Em 1954, Nikita Khrushchev transferiu a Crimeia da RSS da Rússia à RSS da Ucrânia de forma simbólica. Em 20 de janeiro de 1991, um referendo restabeleceu a autonomia da Crimeia, que se autoproclamou “república autônoma”, antes mesmo da declaração de independência da Ucrânia em 24 de agosto de 1991, que foi reconhecida internacionalmente em dezembro de 1991, já indicando que a antiga URSS estaria em crise. Naquela época, a Península da Criméia ainda fazia parte da República Socialista Soviética da Ucrânia, um dos quinze estados que formavam a antiga URSS. Em fevereiro de 1992, o parlamento da Crimeia fundou a república com a aprovação do parlamento ucraniano que reconheceu certos direitos de autogestão. Em 5 de maio de 1992, a Crimeia proclamou sua independência (que deveria ser aprovada por um referendo marcado para 2 de agosto de 1992) introduzindo sua primeira constituição da Crimeia. Mas, no dia seguinte, acrescentou-se em sua constituição que o território fazia parte da Ucrânia. Em 13 de maio, o parlamento da Ucrânia anula a declaração de independência e ordena que o parlamento da Crimeia faça o mesmo (dentro de uma semana). Em junho de 1992, os dois parlamentos finalmente chegam a um acordo, e a Crimeia ganhou o status de república autônoma na forma administrativa e territorial, além de decidir de forma independente sobre questões submetidas pelo Conselho Constitucional da Ucrânia.
Em 16 de fevereiro de 1994, Yuri Mechkov foi eleito presidente da Crimeia, cargo que foi o único a ocupar de 1994 a 1995. Um triplo referendo foi lançado em 27 de março de 1994, ao mesmo tempo que as eleições regionais e nacionais, que se centrou numa maior autonomia da Crimeia, na dupla nacionalidade e na importância dos decretos presidenciais; todos os três decretos são aprovados. Em maio de 1994, o parlamento da Crimeia votou pelo retorno à constituição de maio de 1992. Em setembro de 1994, Yuri Mechkov, de acordo com seu parlamento, decidiu reescrever uma nova constituição. Em 5 de dezembro de 1994, o Memorando de Budapeste garante a independência e a integridade territorial da Ucrânia. Em outubro de 1995, o parlamento da Crimeia votou a favor de uma nova constituição, mais uma vez contestada pelas autoridades ucranianas, até abril de 1996, após muitas emendas. Uma segunda constituição da Crimeia, dando menos autonomia, foi finalmente ratificada pelo parlamento em 21 de outubro de 1998.
O parlamento ucraniano, por sua vez, confirmou esta constituição em 23 de dezembro de 1998. Ela entrou em vigor em 12 de janeiro de 1999.
Em 21 de abril de 2010, os acordos de Kharkov foram assinados entre a Ucrânia e a Rússia, estendendo, até 2042, em vez de 2017, o uso da base naval de Sebastopol com descontos significativos no gás russo. Os interesses também são energia, tendo a Crimeia importantes campos de gás (em particular o de Odessa, no Mar Negro, totalizando 21 bilhões de metros cúbicos de reservas).
Em 23 de fevereiro de 2014, ao votar pela revogação da Lei de Línguas Regionais, o parlamento ucraniano retirou o status de língua oficial das línguas regionais, incluindo o russo em 13 das 27 regiões (principalmente no sul e leste do país). No entanto, esta lei não será posteriormente ratificada pela presidência. Falantes russos realizam protestos no leste da Ucrânia e na Crimeia, desejando laços mais fortes com a Rússia, indo de encontro com manifestantes pró-Ucrânia em Kiev, que defendiam uma aproximação ao bloco europeu rompendo com a Rússia no movimento nacionalista conhecido como “Euromaidan”. Outros grupos, compostos principalmente por tártaros da Crimeia e ucranianos, mostraram seu apoio à revolução nacionalista. O deposto Yanukovych fugiu para a Rússia e pediu às Forças Armadas russas que intervissem e garantissem “lei e ordem” na Ucrânia, especialmente na Crimeia, em uma entrevista coletiva realizada em Rostov-on-Don em 28 de fevereiro, a 100 quilômetros da fronteira ucraniana.
Em 26 de fevereiro, os militares russos contataram Leonid Gratch e Segueï Aksionov para fazer-lhes uma oferta formal para se tornarem chefes da República da Crimeia e anunciaram suas intenções de anexar a Crimeia à Rússia. Os russos iniciaram manobras militares com o seu exército nas zonas fronteiriças com a Ucrânia, a pretexto de “testar a sua capacidade de ação”. Estes movimentos de tropas abrangem, de fato, uma mobilização a nível regional e vinda da base de Sebastopol, como revelam os acontecimentos do fim de semana seguinte.
O Conselho da Federação Russa autorizou o presidente Putin a usar a força na Ucrânia. No mesmo dia, fontes russas afirmam que a fragata ucraniana Hetman Sahaidachny teria desertado e se juntado ao acampamento russo, informação que, posteriormente, foi desmentida pelo próprio comandante do navio. O primeiro-ministro da Crimeia pede à Rússia que intervenha militarmente, alegando que homens armados não identificados teriam atacado o Ministério do Interior desta república. A pedido do Presidente russo Vladimir Putin, o Conselho da Federação aprova a implantação de forças armadas nesta região autônoma. Algo parecido aconteceu na extinta Tchecoslováquia em 1939.
Em 02 de março, o vice-primeiro-ministro da República Autônoma da Crimeia, Roustam Temirgaliev, anuncia que todas as forças armadas da península depuseram as armas e mudaram de lado. Do lado do novo governo ucraniano, o presidente interino Turtchinov apela à mobilização dos reservistas; além disso, na sequência de relatos de sobrevoos do seu território por helicópteros de combate, a Ucrânia fecha o seu espaço aéreo a todas as aeronaves não civis. A escalada verbal é perceptível pela convocação urgente dos vinte e oito embaixadores dos países membros da OTAN em um domingo. Na noite do golpe, o Almirante Berezovsky, Comandante-em-Chefe do Almirantado ucraniano promete fidelidade ao governo pró-Rússia. Nomeado em 28 de fevereiro como chefe da Marinha ucraniana, o almirante Denis Berezovski desertou e prestou juramento ao governo da Crimeia. Ele foi imediatamente processado por alta traição em 2 de março pelas autoridades de Kiev. Mil soldados cercaram os serviços de alfândega e da guarda costeira em Perevalnoye, tentando, sem sucesso, desarmar as unidades ucranianas de lá. De acordo com as autoridades de Kiev, que estão organizando a mobilização geral, 150.000 soldados russos estariam concentrados do outro lado das fronteiras da Ucrânia. A chanceler alemã, Angela Merkel, consegue que Vladimir Putin participe das negociações com um grupo de contato formado por diplomatas europeus. Além disso, o governo ucraniano afirma que os russos teriam enviado um ultimato aos ucranianos pedindo que abandonassem suas bases, afirmação que acabou se revelando falsa.
No dia seguinte, trezentos manifestantes ucranianos pró-Rússia invadem o prédio administrativo regional de Donetsk. Este sentimento se espalha para cidades no leste da Ucrânia dos eventos do fim de semana na Crimeia levanta temores sobre as consequências da partição.
Washington acredita que “a Rússia alcançou o controle operacional da Crimeia”. Em Moscou, o mercado de ações caiu 10% na segunda-feira, a taxa de câmbio do rublo entrou em colapso. Na Ucrânia, cidadãos voluntários, maiores de idade, reúnem-se em delegacias de polícia distritais, atendendo ao chamado do governo. Do lado diplomático, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, Sergei Lavrov, sublinhou, num discurso em Genebra, que o seu país em nada minou a integridade territorial, mas garantiu a segurança dos habitantes de língua russa da Crimeia contra os recentes acontecimentos em Kiev. O seu homólogo americano, John Kerry, recusou, então, toda uma série de sanções possíveis, das quais a mais retumbante levaria ao isolamento econômico da Rússia. Yulia Tymoshenko, primeira-ministra da Ucrânia, considera que o motivo da agressão russa vem do desejo ucraniano de se integrar à Europa. Segundo ela, a Rússia visa a capitulação da Ucrânia. Em 5 de março, o cruzador russo Kara Ochakov, desativado em 2008, foi afundado intencionalmente para bloquear o acesso ao Lago Donuzlav, onde está localizada a base naval ucraniana de Novoozerne. Os russos também tomaram duas bases de lançamento de mísseis: uma localizada em Eupatoria (no Oeste) e outra em Fiolent (no Sul). No mesmo dia, o representante especial da ONU deixou a Crimeia sob ameaça e em 6 de março, observadores da OSCE, membros de vários serviços de inteligência, são bloqueados por homens armados e não podem entrar na região. Em 7 de março, outro navio russo da classe BM-416 foi afundado. Além disso, em 5 de março, fontes russas afirmam que até 6.000 soldados ucranianos desertaram e se juntaram ao campo pró-russo desde o início da crise. Em 6 de março, voluntários sérvios chegaram à Crimeia ao lado dos russos, para apoiá-los. Em 8 de março, guardas de fronteira ucranianos são enviados ao longo da Transnístria (República separatista da Moldávia) em um esforço para evitar provocações de ativistas pró-Rússia no Região de Odessa. Soldados russos, mobilizados por caminhões, apreenderam as bases aéreas ucranianas de Novofedorivka (Novodeforovka) e Djankoy, onde estavam estacionados helicópteros da Força Aérea Ucraniana.
De fato, o único confronto real entre ucranianos e russos ocorreu em 3 de março, quando um ultimato foi enviado à 204ª Brigada de Aeronaves Táticas comandada pelo coronel Youli Mamtchour, pedindo que se rendesse. A brigada, respeitada pelos pró- russos por seu papel na Segunda Guerra Mundial, marchou desarmada carregando uma bandeira ucraniana em direção a um posto de controle russo antes de ser parada por tiros.
Em 6 de março, o Parlamento da Crimeia aprova por unanimidade uma moção exigindo sua anexação à Rússia.
Em 10 de março, os russos desarmam um batalhão de infantaria motorizada ucraniana em Bakhchyssarai e assumem o controle de uma base de lançamento de mísseis em Chornomorskoye e do principal hospital militar ucraniano na Crimeia (localizado em Simferopol). Alegações também surgiram de que os russos acreditavam que mercenários da empresa americana militar privada “Academi” (antiga Blackwater) estavam envolvidos na repressão dos protestos pró-Rússia em Donetsk. O “Washington Post” interpreta como um “pretexto para a intervenção militar russa na Ucrânia além da Crimeia”. Em 11 de março, o parlamento da Crimeia declarou sua “independência” da Ucrânia ao criar a República da Crimeia, que incluía a República Autônoma da Crimeia e a cidade de Sebastopol. No mesmo dia, os exercícios militares ucranianos começaram, enquanto as forças russas também teriam entrado no oblast de Kherson (que liga a Ucrânia à Crimeia) e colocado minas e marcadores de fronteira alguns dias antes. Em 13 de março, a Rússia aceita pela primeira vez o envio de uma missão da OSCE na Ucrânia, enquanto 8.500 soldados russos, de acordo com um anúncio oficial do governo russo, seriam enviados para a fronteira ucraniana e participariam de exercícios militares. A Rússia também enviou seis caças Sukhoi e três aviões de transporte para a Bielorrússia a pedido do governo daquele país. O Parlamento ucraniano aprova a formação de uma Guarda Nacional de voluntários que poderá incluir até 60.000 homens, responsáveis pela segurança interna, proteção das fronteiras e luta contra o terrorismo. Um manifestante pró-Kiev é morto durante confrontos com manifestantes pró-Rússia em Donetsk.
Em 11 de março de 2014, o Parlamento da Crimeia aprovou uma declaração de independência por 78 votos em 81 e declarou que se inspirou na declaração de independência do Kosovo em 2008.
Com isso, o coronel Youli Mamchour (comandante da 204ª Brigada de Aeronaves Táticas, sediada no Aeroporto Internacional de Sebastopol, requisitada por tropas pró- russas) lança um apelo no YouTube ao governo ucraniano pedindo que sejam emitidas ordens por escrito a todas as tropas ucranianas na Crimeia. Caso não receba ordens, ele e sua brigada lutarão, mesmo que não consigam resistir por muito tempo.
Em 15 de março, de acordo com o Ministério da Defesa da Ucrânia, os militares ucranianos decolaram caças e enviaram paraquedistas para repelir uma tentativa de invasão de helicóptero de até 120 soldados russos em Kherson. Um comunicado de imprensa oficial não deu mais detalhes e nenhuma fonte independente conseguiu confirmar esta afirmação. Os russos alegam ter se mobilizado para proteger a estação de bombeamento de gás de Chornomornaftogaz (que será transferida para a Gazprom após a nacionalização das empresas empreendida pelas autoridades da Crimeia) de possíveis ataques terroristas.
Em 16 de março, a Crimeia vota para se juntar à Rússia, 96,77% dos eleitores votaram a favor desta resolução durante o referendo contra 2,51% para a restauração da Constituição da República da Crimeia de 1992 e a manutenção do status da Crimeia na Ucrânia. Em 17 de março, o rublo se torna a moeda oficial da República da Crimeia, mas a hryvnia, a moeda ucraniana que tinha curso legal, será aceita até 1º de janeiro de 2016. A integração das instituições da Crimeia na Federação Russa levaria um ano. Em troca, a Rússia anuncia que enviará ajuda de 15 bilhões de rublos (295 milhões de euros) à Crimeia.
Em 17 de março, a Ucrânia anunciou a mobilização de até 40.000 reservistas contra a “interferência russa” na Crimeia. Em 18 de março, o governo russo anuncia que a República da Crimeia e a cidade de Sebastopol (cujo prefeito é Alexei Tchali) se tornaram dois novos súditos federais da Rússia.
No mesmo dia, um ataque a um centro fotogramétrico da Direção Central de Operações de Apoio deixou um morto, um ferido e dezoito prisioneiros entre a guarnição ucraniana e do outro lado, entre as forças pró-Rússia da Crimeia, outro morto. As forças ucranianas na Crimeia receberam permissão após este incidente de usar suas armas. A base ucraniana de Simferopol é tomada pelos pró-russos.
Em 19 de março por volta das 20h30, tropas ucranianas abriram fogo contra forças hostis não identificadas que tentavam tomar a Base Aérea de Belbek lançando granadas de efeito moral. Os atacantes foram repelidos. Além disso, o governo ucraniano está se preparando para retirar suas tropas da Crimeia para a Ucrânia continental de forma “rápida e eficientemente”.
Em 23 de março, a Ucrânia anunciou oficialmente no mesmo dia a retirada de suas tropas da Crimeia.
A crise causou turbulência nos mercados financeiros. Muitos mercados ao redor do mundo caíram ligeiramente devido à ameaça de instabilidade. O euro e o dólar americano subiram, assim como o dólar australiano e o franco suíço. O mercado de ações russo caiu mais de 10%, enquanto o rublo russo atingiu mínimos históricos em relação ao dólar americano e ao euro. O banco central russo elevou as taxas de juros e está intervindo nos mercados de câmbio no valor de US$ 12 bilhões na tentativa de estabilizar sua moeda. Além disso, os preços do trigo e dos cereais aumentaram, sendo a Ucrânia um grande exportador destas duas matérias-primas agrícolas.
Também houve preocupações de que as exportações de gás russo para a Europa e da Ucrânia poderiam ser interrompidas pelo conflito. 30% do gás europeu é importado da Rússia, metade do qual passa por gasodutos ucranianos. Em 1º de março, o Ministério da Energia russo decidiu interromper os subsídios russos ao gás para a Ucrânia sem interromper as exportações.
Em 28 de março de 2014, a Rússia anunciou um aumento em 80% do preço do gás natural pago pela Ucrânia, recurso do qual é muito dependente. O primeiro-ministro ucraniano, Arseny Yatsenyuk, chama a medida de “inaceitável” e acusa a Rússia de querer “tomar a Ucrânia por meio de agressão econômica” depois que “a Rússia foi incapaz de tomar a Ucrânia militarmente”.
Em retaliação, as autoridades de Kiev anunciaram em 26 de abril que fechariam as válvulas do canal norte da Crimeia, que fornece 85% das necessidades de água da península. A Crimeia planejou perfurar novos poços para atender suas necessidades de forma autossuficiente.
O presidente interino da Ucrânia, Oleksandr Turchynov, acusou a Rússia de “causar um conflito” ao invadir a Crimeia. Ele comparou as ações militares da Rússia com a Segunda Guerra da Ossétia do Sul, em 2008, quando as tropas russas invadiram a Geórgia e ocuparam as repúblicas separatistas da Abecásia e da Ossétia do Sul, após derrotar o exército georgiano. Ele pediu a Putin que retirasse as tropas russas da Crimeia e declarou que a Ucrânia “preservará seu território e defenderá sua independência”. Em 1º de março, alertou que uma intervenção militar “seria o início da guerra e o fim das relações entre a Ucrânia e a Rússia”, colocando as forças armadas ucranianas em alerta máximo e mobilizando os reservistas.
Em dezembro de 2014, as autoridades ucranianas tomaram medidas contra a Crimeia para exercer pressão sobre a Rússia, nomeadamente decidindo suspender as ligações ferroviárias e de rodoviárias para a península por razões de segurança.
As reações internacionais também acompanharam o desenrolar da situação ao longo do ano de 2014. Em 5 de março, o Pentágono anunciou o envio de seis aviões de combate e um avião de reabastecimento adicional, a fim de aumentar os quatros já participantes na missão de policiamento aéreo do Báltico. No mesmo dia, o destroier americano USS Truxtun se junta ao Mar Negro, onde deve participar de exercícios (planejados antes do início da crise) com os fuzileiros navais búlgaros e romenos. Em 7 de março, a Turquia decolou seis de seus F-16 depois que um avião espião russo voou perto de sua costa no Mar Negro (que, no entanto, teria permanecido no espaço aéreo internacional).
Em 10 de março, aviões da OTAN são enviados sobre a Polônia e a Lituânia para monitorar a fronteira russa (exclave 160 Km de Kaliningrado).
Uma semana mais tarde, o Reino Unido anunciou sua proposta de implantar vários Eurofighter Typhoons para apoiar a missão de policiamento aéreo do Báltico da OTAN. A Dinamarca, por sua vez, anunciou o envio de seis F-16 para apoiar esta missão em 27 de março de 2014.
Exposto esse histórico, acredita-se que o interesse russo na Ucrânia e, consequentemente, na Crimeia, dá-se em função das riquezas minerais e econômicas da região. A política de Putin de enviar imigrantes russos para as regiões para que aos poucos tornassem maioria e, dessa forma, defendessem uma atuação pró-russa, parece estar surgindo efeito. Agora, a guerra está passando para o lado econômico, com sanções norte-americanas, lideradas pelo presidente Biden, mas já com resposta da China, que mantém relações com o governo de Moscou, demonstrando que a polícia democrata norte-americana é pífia, fracassada. Nesse contexto, está se desenhando uma luta econômica, quiçá militar, entre EUA, Rússia e China.
As opiniões expressas são de responsabilidade do autor.
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