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A certeza da morte e a incerteza da liberdade

A certeza da morte e a incerteza da liberdade

Conto por Gabriela Betini do Nascimento em 7/08/2020

O trem freou bruscamente e, apesar de saber o que o destino me aguardava, me senti aliviado por, finalmente, chegar. Foi a pior viagem da minha vida:  estava dolorido devido ao pouco espaço disponível na cabine e ao ambiente abafado, que tinha um cheiro fétido de vômito e urina, me fazia sentir o gosto amargo do café da manhã do dia anterior subindo pela minha garganta. Diante disso, o que eu mais queria era um pouco de ar puro ou, pelo menos, um ar menos impuro. Tudo isso porque eu nasci com a cor errada, era negro; assim sendo, era ilegítimo para a raça ariana.

Os portões se abriram; meus olhos arderam, desacostumados à claridade do sol e da neve que o refletia; meus pelos se arrepiaram, devido ao extremo frio que fazia no lado de fora. Os soldados gritaram para prosseguirmos e chicotearam os passageiros que cambaleavam, independentemente da idade ou do gênero. Por isso, me apressei e tentei acompanhar o ritmo da multidão. É, isso mesmo, multidão, eram centenas de pessoas para, aproximadamente, 15 soldados. Os abrigos eram muito precários e pequenos para aquela quantidade exorbitante de pessoas. Isso, entretanto, não me surpreendia nem um pouco, pois mesmo as áreas nobres da Alemanha estavam em uma completa desordem, me fazendo concluir que o país estava perdendo a guerra, e, por conseguinte, diminuindo seus recursos em todos os âmbitos. 

Depois de alguns minutos de caminhada, os soldados ordenaram que fizéssemos uma fila para tomar banho. Imediatamente, fiquei aliviado, pois não estava mais aguentando o meu próprio cheiro. Todavia, o banho foi impedido por um homem no meio da multidão que gritou:

-Falaram que iriam levar minha mulher e meus filhos para tomarem banho no outro campo e eles não voltaram. Horas depois, vi os corpos deles sendo arrastados para… (Buumm!)

O homem caiu no chão como se fosse uma pilha de ossos e não, verdadeiramente, um ser humano. No momento seguinte, estavam todos incrédulos diante o que acabara de acontecer; ficamos imóveis e em silêncio por um minuto interminável, até que os soldados gritaram novamente as ordens, dessa vez apontando as armas em nossa direção:

-Andem! Obedeçam!

Ninguém se moveu. 

Um dos soldados deu tiros para o alto, enfatizando a ordem. Os passageiros começaram a se organizar, mas não para formar a fila, e sim para ir em direção aos soldados. A partir desse ponto, foram armas contra corações desolados, chicotes contra a raiva e arianos contra “desumanos”. Como eu estava na última cabine do trem, quase não fui atingido pelos horrores físicos da revolta, que acabou assim que as balas dos soldados se esgotaram, e os revoltosos puderam revidar. Não sobrou nenhum ariano, mas não comemoramos, pois não tínhamos vencido. Na guerra, não existem vencedores, apenas sobreviventes. 

Tempos depois, tentamos nos organizar: procurar comida, cobertores e curativos. Não havia nenhum suprimento. No dia seguinte, velhos e crianças já haviam morrido, tampouco os fortes estavam vívidos. Alguns dias depois, a maioria estava morta e eu sabia que não duraria mais do que aquele dia.

Morreria, entretanto, satisfeito por estar livre das garras dos monstros que me trouxeram até aqui.

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