Desde que os seres humanos passaram a povoar o planeta Terra, as doenças também passaram a existir e a se espalhar pela a sociedade. Hoje, enfrentamos mais uma delas, a do Covid-19.
Surgida na província de Wuhan, ela logo se propagou por toda a China e mundo afora. A Itália foi a primeira a ser atacada fortemente. Contudo, não foi a primeira vez que a Península Itálica foi assolada por doenças, que chegaram até a contribuir para a queda do Império Romano. Na Antiguidade Clássica, a cidade de Atenas foi atingida pela chamada Peste de Atenas em 430 a.C., sendo provavelmente o Tifo. Esta pandemia, ocorrida durante as Guerras do Peloponeso, levou à morte do líder ateniense, Péricles, um ano depois.
Vamos, então, analisar algumas dessas grandes pandemias que atingiram a humanidade, começando pela “Peste Antonina” durante o Império Romano.
A PESTE ANTONINA
Ocorrida no século II d.C (165 a 180), durante a Dinastia dos Antoninos, em Roma, foi uma doença cujos sintomas eram: diarreia, vômitos, tosses e levava a óbito na maioria dos casos. É considerada a sétima pandemia mais mortal da História, findando 5 milhões de vidas. A cidade de Roma registrava, por dia, 2 mil mortes. Alguns historiadores afirmam que a doença apareceu no Ocidente, vinda dos soldados das legiões que lutavam no Oriente. Poucos são os relatos de transmissão, mas algumas teses afirmam que o sarampo ou varíola estão entre as mais cotadas. O próprio Imperador Antonino foi uma de suas vítimas além de seu filho adotivo, o co-imperador Lúcio Varo. Cerca de 25% da população do Império pereceu. Agora, uma curiosidade sobre o contexto foi o enfraquecimento da religião politeísta e o fortalecimento de uma recém-nascida religião: o Cristianismo. A nova religião oriental monoteísta dava um sentido à vida e à morte em tempos de crise. Os que sobreviveram tinham a certeza de que, os que morreram – como cristãos – receberiam a recompensa de estar no Paraíso, enquanto o próprio Imperador era derrotado pela doença. Vale ressaltar que o Imperador em Roma, desde o primeiro (Caio Otávio), era considerado um deus (ou divino, daí a alcunha de “Augusto”). É claro que não foi a peste que levou à derrocada do Império Romano, mas contribuiu para desestabilizar as bases do império. No século IV, já com o Império em crise, Roma foi assolada novamente por outra doença: a Malária.
Com a desagregação do Império Romano, que fora invadido pelos bárbaros, (vale destacar a cena do filme “Gladiador”, em que mostra os germânicos invadindo o Império), a Europa Ocidental conhece uma nova forma de organização sociopolítica: o feudalismo. Era o início da Idade Média. Segundo alguns historiadores, a formação do mundo medieval se dá entre os séculos V, VI, VII. Seu auge, entre os séculos VIII, IX, X, XI e sua decadência, séculos XII ao XV.
A PESTE NEGRA
Da mesma forma que a Peste citada anteriormente, a qual contribuiu para a decadência do mundo romano, na Idade Média não foi diferente. No século XIV, estourou na Europa a mais mortal pandemia já registrada na História: a Peste Negra. Entre os anos de 1343 e 1353, mais de 200 milhões de vidas foram perdidas (entre 30% e 60% da população europeia). A História da Peste Negra tem também origens no Oriente (alguns relatos, inclusive, falam da mesma província de Wuhan, tão famosa hoje, devido ao Covid-19), na Guerra entre o Império Mongol e os chineses. A bactéria causadora da doença, Yersinia Pestis, foi levada pelos mongóis no cerco da cidade de Kaffa (atual Teodósia ou Feodosia, na Criméia), e, de lá, os navios mercantes a levaram para a Europa por viajantes que desembarcaram, primeiramente na Sicília e depois nas cidades de Gênova e Veneza, na Itália. Em seguida, a peste se propagou no meio urbano europeu.
É interessante destacar que as condições de vida nas cidades europeias eram bastante precárias, o que contribuiu para a disseminação da doença no meio urbano. No meio rural, raros casos foram retratados. Sua primeira forma de transmissão dava-se por meio da pulga dos ratos. Muitos europeus com posse, fugiam da cidade empesteada para suas propriedades rurais, como foi o caso de Cosimo de Médici, que fugiu com sua família da cidade de Florença, refugiando-se no campo. Mesmo assim, sua mãe acaba falecendo de Peste. Cabe mencionar que, na mesma época, o famoso Domo da Catedral Santa Maria del Fiori estava sendo construído e era patrocinado pelos Médicis. Sua construção foi vista como uma afronta a Deus, e a Peste seria o grande sinal de seu descontentamento. Da mesma forma, o Rei Eduardo III da Inglaterra perdeu sua filha, Joana, para a Peste (Joana pegou a doença em Bordeaux, quando ia ao encontro de seu futuro marido, o rei Felipe da Espanha).
O termo “morte negra” – moris nigra – foi usado em 1350 por Simon de Covino (um astrônomo belga que escreveu o poema “Sobre o julgamento do sol em uma festa de Saturno”), que considerou a praga como uma conjunção de Júpiter e Saturno. Outro que confabulou a hipótese da conjunção de planetas, foi o médico francês Guy de Chauliac, o médico do Rei Felipe IV da França e do Papa Clemente VII, o qual mais estudou a peste no período e foi também infectado. Sobreviveu como 30% dos doentes. O Misticismo medieval é algo de grande destaque. Hoje, existem descobertas fantásticas em relação à Peste Negra. Ela já foi encontrada em túmulos neolíticos e em diversas áreas globais como o Quirguistão. Alguns historiadores atestam que a “Peste de Justiniano”, entre os anos de 541 e 542, foi causada pela mesma bactéria. É quase um consenso que a peste chegou na Europa no ano de 1347 e rapidamente se espalhou em três anos por Portugal, Espanha, Inglaterra, Escócia, Dinamarca, França e os Estado Germânicos e em cinco por todo continente. Se formos pensar, é uma propagação muito rápida, visto que viagens eram feitas a pé ou, no mais rápido meio, por navios. Em 1349, chegou na Islândia. A Rússia foi atingida em 1351 e outros países europeus começaram a ser atingidos: Bélgica, Holanda, Polônia.
Mas a peste não ficou restrita à Europa. O Oriente também foi atingido. Cidades com Antioquia, Jerusalém Acre e Damasco foram vítimas, também, da doença.
Uma segunda forma de transmissão era pelo ar, e um dos primeiros relatos de que isso era possível foi o do médico ao rei Felipe VI, feito por Guy de Chauliac, em que dizia que a “conjunção de três planetas” fez com que a “grande peste no ar” atingisse o reino. Agora, a doença recebe o nome de Peste Pneumônica. Daí, deste pensamento, temos as imagens dos “Médicos da Peste”, com aquelas máscaras com narizes que mais parecem um bico de uma ave. Assim, acreditavam que o mau cheiro causava a peste: era o que no século XVII será chamada de Teoria do Miasma. Somente no século XIX é que a Higiene passou a ser usada como forma de combater a peste. Muitas cidades começaram a urbanizar-se no século XIX, como foi o caso de Paris pelo Barão de Haussmann. Mas nem toda a Europa foi atingida pela Peste Negra. A Polônia quase não foi atingida, a região nordeste da Espanha, que faz fronteira com a França também não foi. Mas vale destacar uma cidade que também não foi assolada pela peste: Milão. Hoje, Milão encontra-se na região do epicentro na Itália, a Lombardia. Infelizmente, o exemplo da medieval Milão não serviu para abafar o Covid-19. Quando as primeiras notícias da Peste Negra chegaram na Itália, Milão fechou-se nas suas muralhas e decretou o chamado “lockdown”. Rápidos na atitude, os milaneses se viram livres da doença. Voltando ao Misticismo medieval, muitos grupos minoritários foram considerados culpados de transmitir a doença na Europa: judeus, muçulmanos, ciganos, sodomitas e leprosos. Em 1349, na cidade de Strasbourg, cerca de 2 mil judeus foram massacrados. Era o surgimento do radicalismo. Um grupo merece destaque: os flagelantes. Pessoas acreditavam que, passando pelo sofrimento de Cristo, conseguiriam a cura. O fanatismo era tão grande – e o desespero também –, que mulheres que acompanhavam o cortejo pegavam o sangue e passavam nos olhos como forma de receber uma benção.
Entretanto, por incrível que pareça, nem tudo foi tragédia! Após esse primeiro ciclo da doença se acalmar (os ciclos pandêmicos possuem um tempo natural de pico e de decadência), muitos dos camponeses sobreviventes conseguiram enriquecer-se. Com a diminuição da mão de obra, os salários aumentaram, e com isso, esse grupo acabou enriquecendo, levando a compra de propriedades que agora também estavam vagas. Assim, o outrora camponês tornava-se proprietário de terras. Mas isso gerou um contra-ataque da nobreza. Perdendo sua mão de obra e, consequentemente, suas riquezas, os nobres começaram a atacar as vilas e a organizar-se para se manter no poder: era o surgimento do Estado Moderno, o Absolutismo.
No campo racional também houve mudanças significativas. Por exemplo, novos ofícios surgiram nesse caos. Ofícios mais pacíficos, como a Imprensa. Gutemberg, com sua invenção, atraiu inúmeros trabalhadores. Veja que, anteriormente, a escrita era feita pelos clérigos e que, no momento da peste, a Igreja começou a ser questionada. Novas técnicas agrícolas foram criadas para suprir também a falta de mão de obra, como foi o caso dos moinhos.
Em relação ao pensamento do homem do medievo, há uma grande mudança psicológica. Obras começaram a retratar a morte, como nas obras holandesas que eram chamadas de “Dança Macabra”, que apresentavam esqueletos dançando e passando a clara mensagem de que a morte está em todo lugar.
O questionamento e o individualismo que foi fomentado com a Peste Negra levaram ao um racionalismo maior da sociedade. Isso levou a Europa a um período de grandes realizações do homem: o Renascimento.
A Peste Negra não ficou apenas no século XIV, mas diversos outros surtos ainda aconteceriam até século XIX, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, porém, em menor número, no século XX, como foi o caso nos EUA.
A GRIPE ESPANHOLA
Quando falamos de Primeira Guerra Mundial, acredito que a primeira coisa que vem em nossa cabeça são as trincheiras, ou os aviões de dupla asa, ou até mesmo o tão temeroso gás mostarda, utilizado pela primeira vez na Batalha de Ypres em 1915. Mas ao final da Grande Guerra, em 1918, a humanidade passou por outra pandemia de números catastróficos. A chamada “Gripe de 1918”, ou como conhecemos, a “Gripe Espanhola”. Atualmente, acredita-se que foi uma mortal pandemia do vírus influenza. Em dois anos, infectou mais de 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial, matando de 17 a 50 milhões de pessoas. Algumas estimativas chegam a 100 milhões. Ela foi a primeira pandemia do vírus da influenza H1N1, sendo que a segunda aconteceu em 2009.
Para não abater os ânimos na Grande Guerra, as notícias sobre a doença, não foram divulgadas logo no início (hoje, sabemos que a China também escondeu os dados no início da pandemia do Covid-19). Porém, na Espanha, não havia a censura nas notícias sobre a nova doença da qual, inclusive, o rei Afonso XIII foi uma das vítimas. Com isso, houve a falsa ideia de que era na Espanha a origem da doença e daí vem o nome da gripe. Mas a doença já havia atingido a Alemanha, os EUA, Inglaterra e França. Infelizmente, os dados históricos não apontam com exatidão a origem geográfica da doença. Em 1999, uma possível origem foi divulgada. Seria um acampamento britânico na França em que os soldados britânicos teriam consumido aves portadoras do vírus e este sofreu mutação, migrando, posteriormente, aos porcos. Outra tese foi do surgimento nos EUA, mais precisamente no Kansas. Em 1993, o Instituto Pasteur afirmou que a origem se encontrava na China. Em 2017, a origem seria em soldados chineses que levaram o vírus para a Europa. A transmissão da Gripe Espanhola é mais conhecida por nós: se propaga pelo ar e pelas gotículas de saliva de uma pessoa infectada. A gripe atingiu o Brasil. Por exemplo, o recém-eleito Presidente da República Rodrigues Alves morreu, em 1918, de gripe espanhola. Chega a ser irônica a morte do Presidente, pois em seu primeiro governo, em 1904, foi instituída a vacinação obrigatória contra a varíola, liderada por Oswaldo Cruz, gerando até a chamada “Revolta da Vacina”. Esta revolta também entra no contexto de urbanização do século XI supracitado. O Rio de Janeiro, que era apelidado de “túmulo insaciável do estrangeiro”, passava por uma reforma urbanística inspirada na remodelação de Paris. A Avenida Rio Branco era a área a ser reconstruída. Sem consultar a população, a reforma iniciou com a derrubada incansável dos sobrados de taipa. A população dos Cortiços foi desalojada, sendo obrigada a povoar as chamadas favelas cariocas. Com isso, parte da população resistia à aplicação da vacina, pois muitos eram céticos acerca do efeito defendido pelas autoridades médicas. A epidemia matou mais adultos jovens, cerca de 99% dos casos, mas também atingiu uma parcela significativa de maiores de 65 anos. O que pode explicar o número de mortes baixas de idosos foi que em 1889-90, uma gripe, denominada “Gripe Russa” também atingiu a humanidade, mas forneceu assim anticorpos aos sexagenários dos anos 1918. Da mesma forma, isso também pode ser considerado para o baixo número de chineses mortos, pois diversos especialistas divulgam que a China já havia passado por pandemias da gripe influenza, adquirindo assim anticorpos. A pandemia terminou devido aos métodos de prevenção e ao avanço da Medicina, em que os médicos já eram capazes de prevenir e de tratar a doenças como a pneumonia. As formas de prevenção da Gripe Espanhola eram lavar as mãos sempre que possível, manter uma distância segura de outras pessoas com sintomas e, em sendo acometido, isolar-se e se deitar. Se falássemos apenas desses pontos preventivos, talvez estaríamos falando da pandemia de nossa geração, a do Covid-19.
Sabemos que o surto inicial do Covid-19 se deu na província de Wuhan e foi adquirida pelos chineses após a ingestão de carne de animais contaminados com o vírus Covid. Assim, por meio de mutações, ele acabou atingindo milhares de pessoas no mundo. No final da semana passada, o Brasil superou o número de mortos de cidadãos brasileiros na Gripe Espanhola; infelizmente, a História se repete. Hoje, a História que serve para tantas coisas na política – ou não – está aí para podermos aprender com o passado. É a “máxima” da História. A preocupação com a política supera a preocupação com vidas. Da mesma forma que, hoje, alguns tratam o Covid-19 como uma simples gripe, o sanitarista brasileiro em 1918 Carlos Seidl, afirmava que a gripe espanhola era “só mais um resfriado”. Durante toda a História, fake News se propagam e se repetem.
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