Futebol e Fascismo.

Futebol e Fascismo

Por Matheus Arrais em 22 de agosto de 2020 / História, Política.

Em diversos momentos da história o esporte serviu para exaltar um regime político. A gente sabe que Europeus e sul-americanos têm muitas coisas em comum, e provavelmente, a paixão mais evidente entre ambos é o futebol. Isso fica claro quando lembramos que, pelo menos até agora, todas as taças de Copa do Mundo estão nesses dois continentes.

Porém, tanto no cone sul como na Europa diversos governos se aproveitaram da paixão popular por esse esporte para fazer propaganda política.

Nesse texto minha análise ficará restrita à década de 30, ou seja, um período em que a
ascensão de regimes totalitários buscou produzir propagandas se exaltando e
utilizando o esporte como meio de divulgação de suas ações, mas em diversos
momentos essa tática foi utilizada.

Vamos começar analisando o caso italiano. Para isso é necessário falar de Benito Mussolini. Porém, antes, é importante ressaltar que Mussolini desaprovava as raízes inglesas (o nacionalismo exacerbado é uma das principais características desses regimes) do football e, inclusive, tentou impor uma modalidade genuinamente nacional: a Volata, inspirada no jogo medieval Calcio Storico, uma espécie de “futebol medieval”,  cujo início foi na Piazza Santa Croce, em Florença.

Lá ficou conhecido como o giuoco del calcio fiorentino (“jogo de chute florentino”) ou simplesmente: calcio. Só que a paixão dos italianos pelo futebol era mais evidente, e o Duce, que não era bobo nem nada, apostou as suas fichas nisso. Notando que seria impossível substituir o futebol pelo Calcio Fiorentino, no ano de 1928 foi criada Prima Divisione.

Mesmo o líder italiano não sendo um grande fã dessa modalidade, o projeto visava criar um campeonato verdadeiramente nacional, com clubes de várias regiões, e não concentrado em apenas algumas cidades do norte do país. Assim, as mensagens do fascismo poderiam se espalhar com mais facilidade a toda a Itália.

Por exemplo, o regime passou a agir sobre os próprios clubes de cidades estratégicas. Assim, pode-se ver a fusão de Naples (escrito assim mesmo) e Internazionale-Naples criou o atual Napoli em 1926, mesmo ano em que Firenze e Libertas deram origem à Fiorentina.
Porém, o processo mais intenso aconteceu em Roma, isso porque na época, a capital possuía quatro equipes competitivas, mas sem se aproximar do nível das principais
forças nacionais.

De início, pensou-se em unir todas elas, antes de manterem o dualismo comum em Milão ou Turim. Torcedor e dirigente do clube, o general Giorgio Vaccaro ajudou a preservar a Lazio, clube romano mais popular da época. Já Alba Audace, Fortitudo e Roman se fundiram para originar a Roma em 1927. Um ponto muito relevante está no fato dos clubes mais tradicionais sofreram com a interferência do fascismo.

A Internazionale, por exemplo, tinha dois títulos nacionais quando passou pelas mudanças. Claro, primeiramente vamos falar sobre o nome “estrangeiro”, pois ela acabou sendo transformada em Ambrosiana. A equipe passou por uma grave crise financeira e teve que se unir à Unione Sportiva Milanese por imposição do regime fascista, o que causou uma mudança drástica no uniforme da equipe- que passou a ser todo branco com uma enorme cruz na cor vermelha mo centro, em referência à bandeira da cidade de Milão.

O nome mudou de Ambrosiana, em 1929, para Ambrosiana-Inter, em 1931.

Uniforme-da-Ambrosiana
https://calciopedia.com.br/2019/04/fascismo-futebol-italiano.html

Imagem: Uniforme da Ambrosiana (Giuseppe Meazza ao centro)

Uma união abençoada pelo secretário do partido fascista e que rendeu o primeiro título logo na temporada seguinte. Em 1945, com o fim da Segunda Guerra, a Inter recuperou o seu nome original, enquanto a Milanese tentou ressurgir como uma equipe independente, sem sucesso.

As origens anglo-saxônicas do Milan, no entanto, não gozavam da simpatia do movimento fascista italiano. Em 1946, o clube perdeu definitivamente o sotaque inglês, passando a se
chamar Associazione Calcio Milan.  Já em Gênova, a rival do Genoa passou a ser a Dominante, reunindo Andrea Doria, Sampdierdarenese e Corniglianese – que depois se separaram e, as duas primeiras, criaram a Sampdoria em 1946.

Sabendo disso vamos avaliar o que aconteceu depois dessa reestruturação dos clubes, pois o grande passo do regime de Mussolini no futebol aconteceu em 1929/30. Naquele ano, surgiu a Serie A: o Campeonato Italiano deixou de ser regionalizado (como era desde 1905, com diferentes formatos ao longo dos anos) para ganhar o formato atual, com uma primeira divisão nacional em pontos corridos.

A deixa também para que várias agremiações, especialmente do norte do país, desaparecessem. Ao longo de mais de três décadas, o futebol tinha se disseminado por cidades industriais e portuárias, com diversas equipes locais – Milão já tinha sido representada por nove times no campeonato; Turim, por oito. Equipes reduzidas drasticamente a partir dos anos 1920, sob a influência dos fascistas. Na década de 1930, somente Milão, Turim, Roma e Gênova contaram com mais de um time na primeira divisão – e nenhuma cidade teve mais de dois representantes na elite durante o fascismo.

Se em 1929/30 os únicos times do centro-sul eram Livorno, Roma, Lazio e Napoli, a partir de então outros clubes começaram a disputar a elite com frequência, como Palermo, Bari, Fiorentina e Lucchese.

Por outro lado, a concentração de clubes nas regiões de Piemonte e Lombardia (de Turim e Milão) diminuiu de maneira significativa. Agremiações como o Pro Vercelli (dono de sete títulos nacionais até 1922) e Casale nunca mais apareceram na Serie A.

Qual a vantagem disso? Pois bem, o novo campeonato também facilitava o projeto do regime de Mussolini em relação à Azzurra.

O fascismo buscava sediar a Copa do Mundo desde 1930, boicotando a primeira edição pela negativa da Fifa e recebendo o torneio quatro anos depois. A Serie A nacional dava sua contribuição na formação da seleção, com uma elite de jogadores mais concentrada e baseada em poucos clubes.

Além disso, a abertura de portas aos oriundi (jogadores nascidos em outros países, mas com ascendência italiana) tornou a equipe de Vittorio Pozzo ainda mais forte. Àquela altura, o futebol já atendia as demandas de Mussolini. E a consolidação aconteceu em 1938, com o bicampeonato mundial na França – quando o ditador enviou seu famoso telegrama “Vincere o morire!” ao capitão Giuseppe Meazza, antes da decisão contra a Hungria.

Com a iminência da Segunda Guerra Mundial, o Duce passou a se preocupar mais com os assuntos militares. Mesmo assim, seu regime teria interferido por uma última vez no futebol, no penúltimo Scudetto antes que a Serie A fosse interrompida pelo conflito.

Existem rumores de que a ditadura teria beneficiado a Roma em seu primeiro título nacional, em 1941/42, por meio das arbitragens. Por mais que Mussolini tivesse sua imagem ligada à Lazio, da qual se tornou sócio em 1929, a vitória da Roma seria importante em um momento no qual a Itália definhava na guerra: evocaria o mito do Império Romano. Em vão.

O italiano Benito Mussolini ficou no poder na Itália de 1922, quando assumiu como Primeiro Ministro, até 1943, destituído e preso pela monarquia. Durante estes 21 anos, houve interferência em todos os setores da sociedade italiana, inclusive na forma como ele se aproveitar do bicampeonato mundial da “Squadra Azzurra” para promover o seu regime ditatorial.

Isso pode ser exemplificado no Estádio Nazionale PNF, aliás um dos lugares preferidos de Benito Mussolini, pois foi muito utilizado para eventos de cunho populistas. O maior deles, foi realizado no dia 10 de junho de 1934. Justamente diante de 50 mil presentes nas arquibancadas (a maioria de militantes do partido fascista, pois recebiam os concorridos ingressos), o ditador foi saudado na final da primeira Copa do Mundo realizada em solo europeu, sob os gritos de “Duce”.

Pasmem: o próprio árbitro, de decisões bem questionáveis durante o jogo, fez o gesto
característico para exaltar Mussolini. Durante a Copa de 1934, cinco dos oito estádios
traziam em seu nome os símbolos do regime fascista.

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Imagem : Seleção italiana jogando de preto por ordens de Mussolini

Em Turim, o atual Estádio Olímpico tinha sido inaugurado como Estádio Benito Mussolini. Porém, o principal palco era o Estádio do Partido Nacional Fascista, que recebeu a estreia da Azzurra e a consagrou na final contra a Tchecoslováquia. Permaneceu como casa do futebol na capital até a reforma do Estádio Olímpico em 1953.

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Imagem: Os “camisas negras”, a pedido de Mussolini

Seleção italiana se encontra com o Duce

O Estádio do PNF voltou ao seu nome original, Estádio Nazionale, em 1945 e acabou
homenageando o Torino logo após o Desastre de Superga, quatro anos depois. Já em
1957, o governo demoliu o local para construir o atual Estádio Flaminio, um dos palcos
das Olimpíadas de 1960. Um local, de certa maneira, assombrado por seu passado.

Utilizado esporadicamente por Roma e Lazio, o Flaminio era mais frequentemente usado para shows e de jogos da seleção italiana de rúgbi. Entretanto, uma disputa envolvendo políticos e dirigentes fez a federação de rúgbi abandonar o estádio. Atualmente é administrado pela federação de futebol, embora abandonado na prática (alvo de protestos dos moradores da capital há um mês) e com planos de reforma que não saem do papel.

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