Histórias por Matheus Arrais em 04/04/2021
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi um dos acontecimentos mais emblemáticos de todos os tempos, já que produziu grande impacto em todo o mundo e mudou para sempre a ideia de guerra. O uso de armamento pesado, seja por terra, ar ou mar, produziu milhões de mortos e arrasou cidades inteiras. Introduziu o uso de armas químicas, como o gás mostarda, responsável por diversas sequelas após a guerra. Porém, apesar desses fatos terríveis impostos pela Primeira Guerra, há um bastante singular, composto por gestos de solidariedade entre soldados de tropas inimigas, envolvidos em uma trégua de Natal, ocorrida no dia do Natal de 1914. Senta que lá vem história…
Essa trégua se deu nas imediações da cidade belga de Yprès, pois o Império Alemão havia entrado em confronto contra franceses e ingleses em Yprès. Com o fim do ano chegando o inverno ficava cada vez mais rigoroso, o que manteve as tropas recuadas e entrincheiradas. Lembrando que as linhas inimigas estavam muito próximas umas das outras, o que as tornava visíveis, algo que facilitava seus inimigos de alvejá-los caso saíssem de suas trincheiras. Inicialmente, os festejos de Natal ficaram restritos às trincheiras de cada força. Depois, os combatentes deixaram suas “casas” e avançaram até á “terra de ninguém”. Então naquele dia de Natal em 1914, alguns soldados começaram cantos natalinos, com uma certa postura despojada, dentro de suas trincheiras e pareciam não se importar nem com a guerra e nem com o frio adverso. Outros saíram das trincheiras desarmados, andaram pela “terra de ninguém” – espaço vazio entre as trincheiras – chegando ao ponto de irem até o lado inimigo sem serem abordados ou mesmo mortos por seus inimigos. Desejavam um “Feliz Natal”, oferecendo bebida, comida e charutos. Veja que inacreditável!
Os alemães cantaram Stille Nacht, Heilige Nacht), o que assustou os franceses, pois reagiram atirando, mas notaram que os versos da canção diziam: “Noite Tranquila, Noite Santa.” Portanto, era uma música de natal, o que os fez parar de atirar
São diversos os relatos desse ocorrido, tanto de solados rasos quanto dos oficiais de alta patente. Aliás a confraternização foi exclusivamente das patentes mais baixas (lembrem que estamos falando de jovens), ou seja, não foi resultado de uma ordem vinda do alto comando de guerra. Por isso, essa história é tão fantástica. A seguir, observe outro relato. Dessa vez, escrito pelo Capitão Sir Edward Husle, do exército real britânico. Repare na surpresa desse oficial ao ver os soldados se aproximando com propósitos festivos, o que corrobora para acreditarmos que se tratou de um fato com caráter puramente inusitado. Apesar de que, vale a pena destacar, mesmo com a boa intenção dos envolvidos nesta trégua, não apenas a guerra em Yprès foi retomada como os oficiais envolvidos nas festividades foram duramente punidos por seus superiores. Inclusive as celebrações natalinas realizadas entre inimigos e sem o consentimento de seus generais, incomodou tanto os oficiais comandantes de ambos os lados que, nos anos seguintes da Grande Guerra, os bombardeiros de artilharia foram intensificados na véspera de Natal a fim de se evitar repetição do suposto milagre de Natal.
Às 8:30, eu vi quatro alemães desarmados deixarem a sua trincheira e se dirigirem para a nossa. Eu mandei dois dos meus homens se encontrarem com eles, também desarmados, com ordens para que eles não ultrapassassem a metade do caminho entre as trincheiras, que distavam então de 350 a 400 jardas nesse ponto. Eram três soldados rasos e um padioleiro e o porta-voz deles disse que queria desejar a nós um Feliz Natal e esperava que nós, tacitamente, mantivéssemos uma trégua. Ele disse que havia morado em Suffolk, onde tinha uma namorada e uma bicicleta a motor.”
Outro relato. O soldado alemão Bernhard Lehnert, do 4º Exército Alemão, assim completa o relato da troca de canções natalinas com os franceses em Flandres ocidental: “Quando terminamos a nossa cantiga, os franceses cantaram a Marselhesa, e assim passamos o Natal de 1914”.
Na mesma época em que franceses e alemães cantavam a plenos pulmões na região de Ypres, na Bélgica, nas trincheiras onde estavam ingleses e alemães se digladiando, uma situação semelhante ocorreu quando uma trégua não oficial foi decretada pelos próprios soldados. Vamos lá…
Tudo começou quando os alemães decoraram suas trincheiras com enfeites de natal. Ao ver aquilo os ingleses fizeram o mesmo. Os alemães, então, entoaram cantigas natalinas alemãs, gesto que seus vizinhos imitaram. Durante a pausa inusitada no combate, os soldados entediados começaram a conversar aos berros com seus inimigos. Logo uma competição de cantoria se elevou na chamada “terra de ninguém”. Veja esse relato do soldado raso Graham Willians, da Brigada de Fuzileiros de Londres, descreve o início de tudo:
De repente, luzes começaram a aparecer ao longo da balaústra alemã, e estava claro que eram árvores de Natal improvisadas, adornadas com velas acesas que ardiam no ar silencioso e gélido. Outras sentinelas viram a mesma coisa e acordaram os soldados adormecidos nos abrigos. Os alemães começaram a cantar e quando terminaram sua cantiga, nós achamos que deveríamos responder de alguma maneira, por isso cantamos The First Nowell, e assim que terminamos, todos eles começaram a aplaudir.
Os alemães, então, cantaram outro de seus hinos de Natal, O Tannenbaum, que foi muito aplaudido pelos ingleses. Os britânicos, por sua vez iniciaram Oh Come All Ye Faithfull e os alemães imediatamente se juntaram a eles, pois conheciam a letra dessa canção. Conseguiu enxergar? São duas nações cantando o mesmo hino durante uma guerra…genial, não? E para “brindar” essa história toda e formalizar o cessar fogo: bandeiras brancas, os soldados ingleses e alemães se reunindo para confraternizar e se presentear com tabaco e bebidas. O resultado foi uma longa comemoração natalina de seis dias.
Mais um relato. De Flandres, François Guilhem, do 296º Regimento de Infantaria, parte do contingente francês que servia de apoio aos soldados nas linhas de frente, descreve aquela noite:
Jamais vou me esquecer daquela noite de Natal. Sob o luar claro como o dia, e com a neve tão dura que dava até para quebrar pedras, estávamos subindo por volta das dez da noite, carregando lenha para os companheiros nas trincheiras. Vocês podem imaginar nosso espanto quando ouvimos os chucrutes cantando hinos em suas trincheiras e nossos homens nas deles. Toda essa cantoria por parte de milhares de homens em uma zona rural foi realmente mágica.
Por fim, parece mentira, mas acredite: na “terra de ninguém”, o futebol serviu de desculpa para uma pausa na máquina da guerra. Longe do arbítrio de seus oficiais, partidas eram disputadas entre os soldados alemães, franceses e ingleses. Os ingleses, que também sairiam vitoriosos na guerra, venceram o amistoso por 3 a 2.
Moral da história: jogue futebol, não faça guerra.
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