Texto por Professor De História e Arqueólogo Rodrigo Pavan em 20/09/2021
Antes de respondermos a questão, temos que partir dos conceitos “Ocidente” e “Oriente”. Segundo Edward Said, autor do livro “Orientalismo – a Invenção do Oriente pelo Ocidente”, este termo “Oriente” vem carregado de distorções que são advindas de um contexto de uma Europa que via as populações além estreito de Bósforo como os “outros”. Partindo desta premissa, entendemos então que os povos que habitavam as terras do Tigre e Eufrates, da Judeia, da Península Arábica e os povos africano, estariam todos, erroneamente, englobados no que o “Ocidente” denomina-se de “outros povos” e, por consequência, “Oriente”.
Assim, nos primeiros relatos históricos conhecidos no “Ocidente” que foram elaborados por Heródoto, já observamos uma análise de como que o “Oriente” era representado a este contexto europeu.
Na Mitologia Grega, o “Oriente” já fazia parte do imaginário “Ocidental”, como verificamos pelo mito do “Rapto de Europa”. Em eventos bélicos como a Guerra de Tróia; a invasão persa no mundo grego, em que encontramos as famosas batalhas das Termópilas, Maratona e Salamina sempre foram tratadas como a invasão do mundo “bárbaro” ao mundo civilizado.
Alexandre, o Grande, também tinha como grande desejo o “Oriente”. Sua expansão, fundações de inúmeras Alexandrias e sua política fizeram surgir uma nova cultura com a fusão de elementos orientais com ocidentais: o Helenismo. Roxana que o diga!
Roma, em seu período expansionista, também via o “Oriente” como um alvo. Egito, Judéia, Anatolia tornaram-se o foco durante a expansão republicana para o “Mediterrâneo Oriental” e também de alguns imperadores com os da Dinastia dos Flávios. Monumentos são trazidos do Egito, por exemplo a Roma. Durante o período imperial romano, essa região começa a ganhar uma importância ainda maior para a cultura “ocidental”. Desde a fundação do Cristianismo e, obviamente, com as histórias desse mundo, o interesse europeu (neste primeiro momento) aos locais sagrados descritos na Bíblia, tornaram-se o intento dos novos seguidores dessa religião.
Após o estabelecimento do mundo medieval na Europa Ocidental, a Igreja Cristã como grande difusora dos novos “modus operanti”, o “Oriente” ganhou um enorme impulso com os habitantes europeus. As Cruzadas foram o reflexo desta doutrinação cristã. Os locais sagrados do Velho Testamento, assim como o do Novo Testamento tornaram-se uma obsessão.
Este imaginário pode ser encontrado, por exemplo, no o Mosaico na Basílica de São Marcos, em Veneza, que servia como saída dos cruzados para a Terra Santa.
A imagem do piso da Catedral de Siena de 1480 retrata Hermes Trismegisto. A obra é atribuída a Stefano di Giovanni. Abaixo das figuras encontra-se uma inscrição que diz: “Hermes Mercurius Trismegistus, contemporâneo de Moisés.”
Hermes Trismegisto provavelmente viveu entre os anos de 1500 a.C a 2500 a.C e talvez, fosse contemporâneo de Moisés. Para Marcílio Ficino, quem traduziu o texto acreditou que Moisés e Hermes seriam a mesma pessoa. A difusão desta cultura para a Itália, deveu-se ao Império Bizantino, em crise pelas invasões turco-otomanas. Assim, os sábios “bizantinos” acabaram por levar para a Península Itálica seus conhecimentos greco-romanos e também a cultura da Mesopotâmia antiga e do Irã Sassânida. Uma das influências mais notáveis na cultura do Renascimento desta influência da Mesopotâmia é na escultura de Michelangelo “Moisés” que talvez fosse um “empréstimo” da simbologia encontrada na Estela da vitória de Naram-Sin, último Rei acádia em 2250 a.C. Outro exemplo destes cornos encontra-se nas iluminuras da Bíblia de Bury no século XII.
O Orientalismo, durante os séculos seguintes, continua a ser alvo dos europeus, mas agora, em busca de riquezas materiais. Marco Polo com a China, por exemplo. Mas, é na transição do século XVIII para o XIX, que o Oriente Próximo, ganha, novamente, uma atenção para a pilhagem de suas riquezas. Transferências de obeliscos, pilhagens, a descoberta de Champollion trazem uma luz diferente a este desejo europeu de enriquecimento.
No século XVIII, um dos grandes autores que ajudará a aumentar o interesse pelo “Oriente” será Voltaire, um dos maiores expoentes do Iluminismo francês. Além dele, a tradução da obra “Mil e uma noites” para o francês, em 1704, também participará deste aumento de interesse com os povos desta culturas. Porém, nas histórias de Voltaire, havia um jogo político e seus escritos continham uma crítica subliminar ao clero cristão na França pré-revolucionária. Voltaire e os enciclopedistas estão entre os primeiros orientalistas.
Durante o século XIX, começamos a ver inúmeras obras sendo pilhadas de seus locais natais, e não só neste “Oriente”, a Grécia sofreu nas mãos dos ingleses. Inglaterra, França foram as duas nações que receberam a maioria das grandes conquistas e as apresentaram como forma de demonstração de poder. Mas não podemos apenas citar que os grandes monumentos ou artefatos foram pilhados pelos europeus. Por exemplo, o Obelisco de Luxor foi dado de presente pelos egípcios ao rei francês Luís Felipe d’Orleans. Ou seja, nem tudo era uma pilhagem opressora do mundo europeu perante os oprimidos egípcios. Alguns estudiosos de origem europeia, foram nas terras deste “Oriente” estudar, dedicar sua vida a compreender e divulgar a cultura destas povos para o mundo. É o caso que vemos na imagem “ Uma saída estreita para sir Henry Rawlinson na falésia de Behistum, Irã”, Gravura de Richard Caton Woodville, c. 1920”. Alemanha, após sua unificação e corrida econômica não fica muito atrás.
Mas, mesmo após séculos de contato, o “ Oriente” ainda é visto como um civilização atrasada, bárbara, diferente do Ocidente, agora mais civilizado (aqui vale relembrar o “Fardo do Homem Branco” de Spencer), e mais desenvolvido economicamente.
Somente na segunda metade do século XX, quase século XXI, é que a visão da cultural “oriental” começou a ganhar importância com inúmeros estudos e análises de suas civilizações como a do italiano Mario Liverani, em seu livro “Antigo Oriente: História, Sociedade e Economia”.
Outro ponto em que podemos identificar o grande destaque deste Orientalismo é devido às descobertas arqueológicas ligadas as Histórias da Bíblia. Havia a necessidade de ter as comprovações dos relatos da Bíblia. Assim, começou uma corrida para essas descobertas. Quem escreveu a Bíblia? Com a razão nascendo no Renascimento, crescia uma certa dúvida sobre a confiabilidade dos textos bíblicos. Por séculos, este livro teria sido uma revelação divina e transmitida diretamente por Deus a seu povo. Moisés recebeu as Leis e teria sido ele o autor do Pentateuco? Nos séculos XVIII e XIX a figura de Moisés começou a ser questionada como autor bíblico. Portanto, houve a necessidade de procurar se os relatos divinos seriam comprovados pela arqueologia. Somente a partir do século XIX, as terras citadas no livro sagrado seriam estudadas. Mas engana-se que foi apenas nesse século que a procura iniciou-se. Peregrinos e exploradores já haviam começado a perambular por aquele local desde o período bizantino. Uma geografia do local começou a ser desenhada entre os séculos XVIII e XIX. Após décadas de exploração, os estudiosos foram capazes de criar um contexto arqueológico em que as Histórias da Bíblia se encaixariam.
O destaque que o Egito recebeu em relação à Babilônia no imaginário europeu foi maior. Diversos fatores contribuíram para esta diferença. O primeiro foi a presença de elementos egípcios em Roma. Apesar da Babilônia ter tido uma importância maior na época de Alexandre, não podemos deixar de apresentar a força que Roma teve nesse processo de apresentar o Egito para o Ocidente. Os obeliscos, o imaginário em “Cleopatra e Júlio César”, depois com Marco Antônio.
Além disso, a preservação das ruínas e da natureza delas foram fatores que levaram a um interesse maior nas do Egito. Em relação à Mesopotâmia, mesmo com os relatos medievais sobre a Babilônia, aqui vale o destaque ao livro “O Itinerário de Benjamin de Tudela”, essa região ainda não apresentaria um interesse significativo para movimentar o interesse europeu.
Em relação ao mundo mesopotâmico, mais uma vez, o imaginário europeu seria aguçado com descrições das histórias bíblicas. Mas é na transição do século XVII para o XVIII que os relatos sobre a Mesopotâmia tornam-se mais científicos e, da mesma forma que o Egito, tornou-se alvo do Imperialismo europeu no século XIX, esta região atraiu os olhos da Europa. Foi neste período que obras egípcias foram transportadas para o Museu Britânico como o busto de Ramesses II, também, como consequência da presença inglesa neste país, jóias encontradas por Sir Leonard Wooley, em Ur, foram transferidas para o mesmo museu e, 1928/29.
O Egito, por sua vez, esteve presente nos relatos europeus desde Platão, na Ilíada e Odisseia e depois no antigo Testamento. Heródoto o trata com uma região de inúmeras maravilhas. Assim, o Egito sempre esteve presente, até como terras de grandes sábios e mestres, mais do que a Mesopotâmia.
Encontramos algumas influências da cultura da Mesopotâmia no Egito Antigo. Uma delas, é a Faca de Gebel-el-Arak (3400a.C) em que o cabo é feito de marfim. Segundo o site do Museu do Louvre, onde esta adaga está, “os temas tratados nos objetos de cerâmica e deste período eram relativo a sobre a vida cotidiana, a caça aos animais, lutas contra invasores ou inimigos, e as navegações sobre Nilo. Esse tema também foi encontrado na mesma época na Mesopotâmia, como por exemplo: o homem barbudo (rei-sacerdote) e o “Senhor dos animais”, que também existe a referência no túmulo no. 100 de Hierakompolis, durante o período Naqada II. Estelas e paletas também são encontradas nas duas regiões com imagens de animais como leões e pássaros. Na Paleta do “campo de Batalha” verificam-se imagens com possível alusão à vestimenta mesopotâmica ao lado de uma figura que simbolicamente representaria as populações do delta. Portanto, podemos concluir que é certo que ocorreram contatos diretos ou indiretos entre essas civilizações.
A forma como foram feitos os registros no Punhal de Gebel el-Arak das cenas sobrepostas e em perfis das figuras humanas e animais serão encontrados constantemente em todos as dinastias faraônicas. Este punhal ilumina a passagem entre o fim da pré-história e o florescimento da civilização Egipciana com seus milhares de faraós”.
Um outro ponto que podemos verificar o encontro entre as culturas egípcias e mesopotâmicas, é em relação a “Fachada do Palácio”. Segundo o artigo “The Origin of Egyptian Mastabas in the Light of Research at Tell el-Farkha de Joanna Dębowska-Ludwin”, “os especialistas não chegaram a um acordo sobre qualquer teoria consistente sobre a origem dos nichos na arquitetura egípcia. De acordo com várias opiniões, por exemplo, a “Fachada do Palácio” foi introduzida pela primeira vez no Baixo ou Alto Egito, ou é mesmo vista como um elemento importado, o que prova a existência de relações com a Mesopotâmia. No entanto, novas evidências relacionadas com o início das mastabas foram fornecidas graças às escavações em Tell el-Farkha, onde uma necrópole, composta de três fases cronologicamente diferentes, foi descoberta. Os dados significativos coletados no site deram uma contribuição considerável para o nosso conhecimento atual e nos permitem reabrir a discussão”.
A Mastaba era uma tumba “ padrão” desde os tempos arcaicos. Sua evolução é bastante interessante. As primeiras mastabas simulavam a planta de uma cada com várias “salas” sendo que, a central seria onde depositaria o sarcófago, as outras, as oferendas. Sua evolução nos mostra que havia tumbas mais fundas e que eram conectadas ao topo por um poço.
Mesmo com o surgimento das Pirâmides para os Faraós, as mastabas não foram deixadas de lado. Por exemplo, em Gizé foram encontradas essas tumbas construídas ao lado das pirâmides, segundo o artigo de Davis, Ben (1997). “THE FUTURE OF THE PAST”, na Scientific American.
Inicialmente, um poço era cavado que levaria a uma câmara mortuária em que encontrava-se o sarcófago e o mobiliário funerário. Externamente, a mastaba era uma construção retangular com paredes de tijolos ou pedras. Mastaba possuía uma primeira câmara que servia de entrada e que poderia ter cenas do cotidiano do falecido, ali também podia encontrar uma estátua do morto. Na parede voltada para a porta, havia uma “porta falsa” que simbolicamente conduziria o morto entre a câmera funerária e a capela onde as oferendas eram deixadas, assim, ela também serviria para o retorno do falecido ao reino dos vivos. Os egípcios acreditavam que a alma só poderia viver se o corpo fosse preservado e também bem alimentado.
Elas começaram a surgir desde o Período Arcaico e foi a estrutura funerária que irá servir de base para as construções das Pirâmides. No interior das Mastabas, também eram encontradas pinturas que retratam, geralmente, o quotidiano no antigo Egito e a vida do indivíduo que ali estava enterrado.
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