Cultura & Arte por Professor De História e Arqueólogo Rodrigo Pavan em 08 de outubro de 2021
Antes de analisarmos o contexto atual sobre a estátua de Borba Gato, é necessário fazer um breve histórico de quem foi tal personagem.
Nascido em São Paulo em 1649, no Distrito de Santo Amaro, Manuel de Borba Gato foi um bandeirante paulista que iniciou suas atividades com seu sogro, Fernão Dias Paes também um bandeirante, e que adentrou no território colonial atrás de esmeraldas e prata. Um dos fatos mais famosos de sua história foi o assassinato do fidalgo D. Rodrigo de Castelo Branco, em que teria participado emboscando e assassinando a vítima o que fez Borba Gato viver com índios por 28 anos tornando-se assim, um grande conhecedor desta cultura, inclusive usando a língua indígena para se comunicar, o que seria importante para os bandeirantes.
A língua, inclusive é um ponto importante sobre cultura e patrimônio de um povo. Alguns estudos até falam que o sotaque paulista teria influência nos indígenas e nos migrantes.
O período em que Borba Gato viveu, o século XVII/XVIII, no Brasil, havia uma população composta por portugueses, nativos, negros escravizados, mestiços entre esses grupos Humanos também. Mas, culturalmente falando, apenas uma parcela era possuidora do Direito à Liberdade.
Outros eram sem almas, sem opiniões. Nativos e negros escravizados foram os que mais sofreram com o domínio europeu no colonialismo do século XVI. De qualquer forma, a escravidão não foi uma instituição criada por europeus brancos. A História da Humanidade já comprovou que a existência de escravos já existia há milênios na África, no Oriente Próximo, na Europa e, nas Américas pré-colombiana.
O período em que Borba Gato viveu, o século XVII/XVIII, no Brasil, havia uma população composta por portugueses, nativos, negros escravizados, mestiços entre esses grupos Humanos também. Mas, culturalmente falando, apenas uma parcela era possuidora do Direito à Liberdade. Outros eram sem almas, sem opiniões. Nativos e negros escravizados foram os que mais sofreram com o domínio europeu no colonialismo do século XVI. De qualquer forma, a escravidão não foi uma instituição criada por europeus brancos. A História da Humanidade já comprovou que a existência de escravos já existia há milênios na África, no Oriente Próximo, na Europa e, nas Américas pré-colombiana.
No século XVII, esta escravidão como base da economia colonial era um pilar importante para a prática mercantil que assolou as colônias americanas. O Plantation estabelecido no Brasil fazia com que negros vendidos aos portugueses pelos próprios africanos fossem trazidos para a colônia sul-americana para só assim ter o comércio com o açúcar, o que de certa forma, “livrou” indígenas de um maior cativeiro.
Portanto, Borba Gato viveu em um território que a escravidão era uma situação completamente aceita, afinal, o escravo não possuía vontades (assim como o escravo da antiguidade), o importante era apenas a mão de obra. Mas a História de Borba Gato não é só sobre o movimento das bandeiras. Ele teve uma participação importante na Guerra dos Emboabas. Mas não é o ponto aqui. O importante é analisar, no mundo atual, sobre a estátua do Borba Gato que foi vandalizada no século XXI.
Segundo o autor do ato terrorista, Borba Gato foi um “escravocrata, genocida e estuprador” e, com isso, ele teria o direito de praticar tal ato contra a estátua do bandeirante. O fato em si trouxe de volta todo o passado brasileiro para o debate num século polarizado e, com ele, visões absurdas, como o resgate ao radicalismo. O grande problema das discussões atuais é a análise de contextos passados com os olhos atuais.
No curso de História, uma das primeiras coisas que é explicada é o fato de que não podemos analisar o passado com os olhos do presente. O passado está preso em seu próprio tempo. Valores mudaram. A escravidão é presa em seu tempo. Não podemos, por exemplo, comprar a escravidão do mundo antigo com a do mundo colonial do século XVI.
A construção da estátua de Borba Gato em Santo Amaro é uma alusão de uma figura importante da História do Brasil e que nasceu naquele local e sendo o Brasil um país que foi construído numa mistura de grupos étnicos, a importância dela torna-se fundamental para entendermos nossa cultura. O que devemos fazer é exaltar todos, e não só um grupo.
Os atos terroristas de destruição só prejudicam a memória de um povo. Imagine a destruição por completo da estátua. Quem poderia explicar quem foi Borba Gato? A estátua é o primeiro passo num contexto maior de destruição e consequente apagamento da memória. Não há limites para quem pratica tais atos. A História é repleta desses exemplos. A Revolução Francesa nos dá um dos maiores exemplos de como que a prática do terror desfavoreceu a preservação da memória. Quantas Histórias foram perdidas com a destruição de estátuas e de cabeças. Perdemos um Lavoisier, químico importante e políticos, nobres, clérigos… Isso quando falamos de “material humano”. E quantas Igrejas foram profanadas? Destruídas?
Assim como estátuas e tumba reais de Saint Denis. A prática do terror de Estado era justificada para limpar da memória tudo o que foi ruim. O terrorismo como ato de rebelião nasce no século XIX, os órfãos do jacobinismo da Revolução Francesa começam a pratica-lo para tentar derrubar aquilo que consideram opressor a seus ideais e isso, foi transmitido para o século XX por meio da Revolução Russa de 1917.
O terrorismo como um ato de destruição vem de uma mentalidade revolucionária, como uma forma de “consciência coletiva da forte ruptura e violenta com a continuidade, a herança e a tradição”, como disse Vovelle , em nome de um novo mundo purificado do mal. Além disso, a violência extrema justificada como meio para acabar de vez com todas as demais violências e
injustiças, apelando-se às virtudes purgadoras, pedagógicas e propagandísticas de sua mais dura aplicação revolucionária, sempre acompanhada da culpabilização do outro (“eles que começaram”,
“eles fazem coisas piores ainda”, “eles só entendem essa linguagem” etc.). Assim, a violência perpetrada de forma pública, espetacular e chocante, não só para exterminar o adversário do momento, mas, sobretudo, para dar exemplo e enviar uma mensagem aos demais inimigos, intimidando-os, bem como para os amigos, encorajando-os. O terror, enfim, como declarado método de governo, no qual o teatro da violência se estende da destruição dos aspectos mais cotidianos da vida civil, conformando um tentacular regime repressivo e policialesco para garantir a revolução.
O ato de queimar a estátua tem que ser entendido não somente pelo ato em si, mas por todo um contexto que se construiu nos últimos anos. Terroristas no início do século passado justificavam seus ataques como um contragolpe por terem sido oprimidos. Foi assim nas revoluções do século XX, grupos terroristas durante o Regime Militar brasileiro, apoiados por um dos maiores terroristas que foi Carlos Mariguella. Assim também foi durante os regimes totalitários europeus que tentou-se apagar da memória culturas, povos. E é este o ponto preocupante: o apagar da memória.
Até que ponto a estátua do Borba Gato é importante para a manutenção da memória para a História de São Paulo e do Brasil?
Como já citado, ele é um personagem que participou de importantes contextos de nossa História seja como Bandeirante, ou na Guerra dos Emboabas. A estátua colocada em Santo Amaro pode não ter sido aceita por parte da população, mas quem a colocou, juntamente com a Prefeitura, tem como direito de colocar em nome da população. Vivemos em um Estado democrático, assim, a voz da maioria, personificada pelo voto, nomeou o prefeito que representaria a vontade geral, num acordo feito por um contrato civil. Assim, a aprovação da prefeitura em se construir um monumento de qualquer personagem estaria vinculada a esse direito civil. Outras estátuas são colocadas da mesma forma. Por que ninguém reclama quando se coloca a do líder do Quilombo dos Palmares, o Zumbi? Da mesma forma que afirmam que Borba Gato foi um escravocrata, Zumbi também é. Mas o que escutamos é: “Viva Zumbi”. Por eu ser paulistano não posso gritar: “Viva os Bandeirantes”?
A Educação Patrimonial tem que entrar neste ponto. Primeiro para respeitar nosso Patrimônio. Depois para explica-lo. Quem foi Borba Gato? O que foi o Movimento das Bandeiras? Da mesma forma que teremos inúmeros pecados na figura do bandeirante, também encontrarmos elementos louváveis, mesmo que estes gerem frenesi a quem não quer encontrar. A Educação Patrimonial é de tamanha importância que até, o Turismo Cívico seria um braço para ajudar na conscientização do que é Patrimônio.
A preservação torna-se fundamental para a educação. Sem a memória material dificilmente terá esta educação. Afinal, o que será ensinado? O caso emblemático para mim, é o da Fazenda Murycana em Paraty, no Rio de Janeiro e que citei no trabalho anterior. Quem não conhece a História da fazenda, quem seria capaz de dizer que ali foi palco do tráfico negreiro? Havia uma senzala, um tanque que se lavava os escravos e um local da venda. Hoje, não há mais nada que sequer nos remete a este período. Perdemos. E qual a justificativa? “Temos que apagar a escravidão da História do Brasil.”. Foi o que escutei dos novos donos da fazenda.
No pós guerra, na Alemanha de 1946, houve uma forte política de preservação do passado Nazista, como forma de educar a todos o que aconteceu ali nos anos anteriores. Foi uma tarefa árdua e difícil, pois o sentimento era de tentar esquecer. Mas não se pode esquecer, pois a tendência é se repetir. Como aconteceu na Revolução Francesa e que 40 anos depois, o Absolutismo voltou na figura de Carlos X e precisou de uma nova Revolução, a de 1830, para novamente retirar, agora de vez, o regime absoluto da monarquia dos Bourbons.
No século XIX, Napoleão III e o Barão de Haussman efetuaram a maior reforma urbanística de Paris. Transformou uma Paris medieval, numa Paris Haussmaniana, com prédios clássicos que vemos até hoje. Nesta reforma, o passado parisiense veio à tona. Um passado que remetia aos romanos, os grandes conquistadores imperialistas e que destruíram os “parisii”. Estes resquícios foram destruídos? Não. Pois faz parte da história de Paris.
Destruir o passado é apagar o que formou a civilização século XXI.
O grupo terrorista que tentou destruir a estátua do Borba Gato justificou como uma forma de rebelião ao que ele representava para comunidades oprimidas pelo fato. Se partirmos da premissa do direito à rebelião, este ato seria aceito, mas havia a necessidade de destruí-la? Não teria outra forma de chamar a atenção do que ele representa? Temos outras formas de manifestar. Se virar moda, hoje, são estátuas queimadas, ônibus. Amanhã, pessoas. Não que isso seja um ato que não acontece. Infelizmente, temos exemplos de acontecimentos desse porte e são punidas com nossas leis. Se continuarmos a aceitar esses atos terroristas, as leis não punirão mais. O Radicalismo é uma linha tênue entre ele e o “perder o controle”.
Mais uma vez, remeto a Revolução Francesa. A destruição da Bastilha entra no ato de vandalismo. Justificável, mas que gerou um problema enorme na França que foi o período do Grande Medo. A Revolução estava perdendo o controle. Precisou de um conselho de nobres (Assembleia Constituinte) para pegar as rédeas da Revolução. Como resposta ao Grande Medo de 1789, veio a Noite de 04 de Agosto, em que foi abolido o feudalismo da França de vinte dias depois a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Cito artigos deste documento:
As respostas são simples: do artigo 4o. : a queima da estátua prejudicou quem ali a defende, prejudicou todo o trabalho de seu escultor e toda a memória que ela carrega para a cultura do país. Para o artigo 5o.: queimar qualquer patrimônio é um ato nocivo à sociedade. Artigo 10o.: Muitos foram molestados no consciente e aqui é uma mão de duas vias. A comunidade atacada também se via molestada. Mas queima-la? A resposta é o artigo 5o. E pra mim, o mais importante: o artigo 11o. Comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem.
Alguém pode se estar perguntando se o ato de queimar é um ato de demonstrar suas ideias. Sim, é! Mas existem outras formas de expressa-las que não atinja de forma tão terrorista a Liberdade do outro. De qualquer forma, acredito que a melhor saída é realmente a Educação Patrimonial para a preservação, pois sem ela, não há como educar. Preservar sua memória é o que o Ser Humano tem de mais precioso. Quem você é, de onde você veio, quais são suas raízes. Qual o orgulho de você levar o nome de sua família, a bandeira de seu país.
Somos uma cultura que tivemos nossos percalços, mas que conseguimos chegar até aqui. Não importa se um Borba Gato foi um genocida. O fato foi que ele existiu. Temos que aprender o que ele fez e não repetir. Não podemos apaga-lo da memória, pois ele está ali. A estátua foi atacada e a memória dele foi ressuscitada e com ela, o sofrimento de tantos povos.
Será mesmo que foi necessário? O radicalismo só fez crescer o radicalismo da outra parte. O debate é necessário para se atingir um bem comum, para que possamos aprender com o passado. Ele não pode ser destruído. Ele pode se repetir. E cabe a nós, estudarmos, educarmos para esclarecer o que foi História, mesmo que ela seja cruel. Se os alemães conseguiram preservar um dos atos mais sanguinários da História, não podemos aprender com eles sobre isso?
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